ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Censura e Boca do Lixo, poder e prazer |
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Autor | Caio Túlio Padula Lamas |
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Resumo Expandido | “Era uma câmara nas coxas, uma ideia sem-vergonha na cabeça e muita, muita mulher pelada na tela.” (SELIGMAN, 2000, p. 13). Tratava-se da pornochanchada, a “chanchada meio pornô” (AVELLAR, 1979-1980, p. 71), que ocupou boa parte do circuito exibidor comercial destinado ao cinema nacional durante a década de 1970. Seu princípio data de meados da década de 1960, com o surgimento da comédia erótica carioca, que incorporava formas tradicionais de entretenimento, advindas dos espetáculos mambembes, dos circos, do teatro de revista e das chanchadas. Capaz de trazer multidões às salas de cinema, produziu um fenômeno de público raramente visto no cinema brasileiro, tradicionalmente marginalizado no circuito exibidor e distribuidor pelo cinema estrangeiro.
O fenômeno do erotismo, com o sucesso comprovado, migra para São Paulo, e concentra-se em grande parte na Boca do Lixo, pólo de produção cinematográfico localizado no bairro da Luz, onde produtores, diretores e técnicos “feitos pela vida, formados pela técnica” (ABREU 2006, p. 54) direcionavam seus esforços no sentido de suprir a demanda de filmes nacionais pelas salas de exibição – uma vez que a política de cota de tela do período obrigava as salas a exibirem filmes brasileiros em uma quantidade mínima de dias anuais, que variou ao longo das décadas de 1960 e 1970. Vários gêneros de filmes foram produzidos dessa forma, do faroeste ao drama, sempre abordando de alguma forma o erotismo e a exposição de formas femininas. Sob títulos provocantes e diversos – Amadas e violentadas, 1976; Presídio de mulheres violentadas, 1977; Noite das taras, 1980 – a pornochanchada foi perdendo suas ligações originais com a comédia erótica, tornando-se um abrigo de gêneros (ABREU, 2006), cujo único elemento comum seria a presença marcante do erotismo, progressivamente acentuado com o passar da década. Esse predomínio da produção cinematográfica erótica torna-se espantoso quando constatamos a atuação ao mesmo tempo de uma censura estatal militarizada, cujos cargos de chefia eram ocupados por militares de alta patente. Uma preocupação maior foi dada à formação dos censores a partir do final da década de 1960, que passaram obrigatoriamente a ter que portar um diploma de nível superior, ao contrário do que acontecia nas décadas anteriores. Segundo Leonor Souza Pinto (2006), o órgão oferece o primeiro curso que se tem registro de formação de censores aproximadamente nessa época, em março de 1972. Capaz de inviabilizar a carreira comercial de produções, impedindo ou dificultando o consequente contato entre obras e público, a censura pareceu permissiva à produção erótica, especialmente a partir de meados da década de 1970, liberando os filmes, na maior parte das vezes, com poucos cortes e restringindo a faixa etária para maiores de 18 anos. Essa obscura relação entre censura e cinema erótico, poder e prazer, faz parte do problema de pesquisa referente à nossa dissertação de mestrado, atualmente em fase de desenvolvimento: por que a censura, a partir de meados da década de 1970, liberava a pornochanchada? Responder a tal questão exige o entendimento do papel da censura no contexto brasileiro – em relação ao cinema e às artes em geral, como órgão institucionalizado e ramificado na capilaridade do corpo social – bem como dos reforços e tensões entre censura, corpo e obscenidade. Para tanto, através de um recorte temporal provisório – os anos de 1976 a 1982, período de maior participação da Boca do Lixo no montante de produções nacionais – da análise de processos censórios disponíveis no site do projeto memória da censura no cinema brasileiro 1964-1988 e baseando-nos em autores como Michel Foucault, Coetzee, Cristina Costa, Nuno César Abreu, Inimá Simões, Jean-Claude Bernardet, José Mario Ortiz Ramos e Leonor Souza Pinto, pretendemos lançar luzes sobre essas espirais de poder-prazer. |
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Bibliografia | ABREU, Nuno Cesar. Boca do Lixo: cinema e classes populares. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006.
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