ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Aporias. Sobre alguns desafios contemporâneos do retrato fotográfico ou cinematográfico |
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Autor | Samuel De Jesus |
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Resumo Expandido | No início do século XIX, foi publicado um curioso tratado chamado La physiognomonie ou l'art de bien connaître les hommes, redigido pelo teólogo suíço Johann Kaspar Lavater. Baseado numa suposta objetividade dos resultados quantitativos e dos dados recolhidos, esse método não se revelou de fato verificável. Se o autor distingue o seu método da fisionomia ao dizer que “numa acepção estrita, entendemos por fisionomia os ares, os traços do rosto”, ele cuida de defini-lo, entre outros, como a “[...] ciência, o conhecimento da ligação que une o exterior ao interior, a superfície visível ao que ela torna invisível”.
Como o uso da imagem fotográfica ou fílmica contribuiu para explorar o que de fato liga o exterior ao interior, o visível ao invisível da consciência, buscando o reverso mais misterioso do ser humano, através de suas contradições? Podemos observar como várias obras contemporâneas problematizam o que não cessa de fugir da razão científica. Ultrapassando a simples classificação das supostas expressões dos sintomas de uma intenção artística e/ou documental, muitas vezes radical, essas obras testemunham, assim, a transformação dessa intenção em algo a ser olhado: “não mais um monstro ensimesmado, mas um animal com mecanismos estranhos” como o anota Michel Foucault. Essa comunicação proponha-se examinar como alguns de seus sintomas ecoam em meio a um panorama iconográfico composto por representações de corpos vistos na época então como demoníacos e que, até hoje, assombram numerosas obras fotográficas, cinematográficas ou videográficas. Ela será dirigida segundo dois eixos principais. Em primeiro lugar, trata-se de realizar uma atualização crítica e teórica da fisiognomonia, analisada em várias obras contemporâneas que vêm desmistificar, recusar, impossibilitar, uma certa visão utópica que busca “medir” o indivíduo em função das suas “supostas” características físicas. Essa postura revela-se mais perturbadora na medida em que a representação do sujeito encontra-se progressivamente alterada, e impossibilita qualquer tentativa de identificação da imagem por parte do observador. Podemos assim recorrer aos exemplos dos rostos deformados pela lepra, retratados nos filmes L’ordre, de Jean-Daniel Pollet e Oh,uomo, de Yervant Gianilikian e Angela Ricci-Lucchi. Essa alteração pode surgir também, quando alguns estímulos visuais são percebidos como verdadeiros elementos performáticos que excitam um estado, de modo a tornar o espectador estupefato pelo próprio olhar, o ator de sua força imagética, como isso pode ser observado no documentario Titicut folie, de Frederick Wiseman, ou Marni, filme de ficção d'Alfred Hitchcock. Em segundo lugar, esse estudo buscará destacar certas figuras apresentadas como "antifisiognonômicas", retratadas no cinema – por exemplo, o rosto de Edvard Munch, filmado por Peter Watkins a partir do autorretrato fotografado do pintor, do protagonista do filme Moi, Pierre Rivière, de René Alliot –, ou na fotografia, atravès dos autorretratos fotográficos de David Nebreda. Serão assim examinados alguns exemplos que não se podem considerar apenas simples elementos de um catálogo ilustrativo de representações contemporâneas do corpo levado ao limite, porque são, de fato, lugares de experimentação que desafiam toda leitura normativa. Colocaremos esses regimes iconográficos à prova com imagens cujos conteúdos e intenções chocam até mesmo o olhar familiarizado com representações extremas do corpo e do rosto na arte contemporânea. Pensamos aqui em obras experimentais, como as de Chris Burden, Michel Journiac e Gina Pane, ou ainda, ao ensaio zoomórfico de Rodrigo Braga. Essa síntese visual, composta de várias experiências artísticas, nós leva a enfatizar a contradição do próprio termo desrazão, ou segundo Foucault : “ [...] essa forma vazia, sem conteúdo nem valor, puramente negativa, onde é figurado apenas o rastro de uma razão que acaba de escapar, mas que permanece ainda, para a desrazão, como sua razão de ser”. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. Du visage au cinéma. Paris: Cahiers du cinéma, 1992.
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