ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | O corpo trágico: estudo do corpo em conflito nos filmes de Chang Cheh |
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Autor | Juliana Pinheiro Maués |
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Resumo Expandido | O cinema de artes marciais fundamenta-se no corpo. Todavia, diferentemente de outros cinemas que o tem como alicerce, cabe a este a peculiaridade de sustentar um conflito entre físico, material e imanente, por um lado, e espiritual, imaterial, transcendente, por outro. Os caminhos tomados dentro dessas possibilidades caberão a realizadores individuais e a força da sua expressividade audiovisual, sobrepujando a mídia para torná-la arte, é mérito individual de cada obra.
Nesse sentido, quando falamos dos três principais nomes responsáveis pela renovação do gênero em Hong Kong no contexto do Estúdio Shaw Brothers – deixando de lado, por um momento, a grande contribuição da Golden Harvest para o filme de kung-fu – de final dos anos 1960 até os 1970, encontramos três claros exemplos: King Hu preza pela transcendência, ao mostrar um corpo que vai além de seu universo físico e o supera, com personagens que parecem voar; Lau Kar-leung mantém-se preso à solidez do punho sulista e faz um cinema mais imanente, mais ligado à matéria. Nosso foco de concentração é o terceiro nome: Chang Cheh. Iniciando no cinema de artes marciais com o wuxia pian Tiger boy (1966), após já ter trabalhado em outros gêneros como o wenyi pian (melodrama), Chang é dono de uma obra prolífica que, oficialmente, contabiliza 94 filmes. Dentre eles, encontraremos obras com grande qualidade artística, em que a força das imagens conduz o espectador expressivamente pela narrativa, e filmes menores, notavelmente produções rotineiras ou realizadas durante a última fase da carreira do diretor quando muito do seu interesse investigativo pelas ferramentas do estilo cinematográfico já havia esmorecido. Partimos de uma análise do plano em dez obras a saber: Have sword will travel, The golden swallow, Vengeance, The boxer from Shantung, The blood brothers, Heroes two, Disciples of Shaolin, Crippled avengers, Five element ninjas e Ninja in ancient China –, buscando compreender a relação que este diretor estabelece com o corpo, especialmente por meio do movimento. Em um primeiro momento, notamos personagens constantemente inquietos, não apenas nas cenas de luta, mas também nos diálogos, em que o ato de caminhar desempenha papel importante e cuja caracterização centra-se muitas vezes em posturais corporais. Desenvolvendo-se em nuances, modulações, o corpo varia desde os movimentos espalhafatosos das coreografias de luta até gestos sutis em interpretações que remetem à Ópera de Pequim não apenas no sentido marcial (wu), mas especialmente nas relações entre masculino e feminino. Dentre todos os movimentos físicos, o que de mais distintivo esse cinema oferece, e onde se concentra a sua força, é o modo como lida com o corpo às portas da morte. Com desfechos marcados pela morte do herói, a maioria dos filmes conduz o personagem em um ritual que se repetirá em vários deles, caracterizado por um ferimento inicial no peito ou abdômen, variações de postura, pausas rítmicas na luta, descontrole emocional e muito vermelho. Apesar de a luta persistir por vários minutos, são sequências em que o herói claramente morre a cada plano. É nelas que caracterizamos o que chamamos de “corpo trágico” como a marca mais óbvia do cinema de Chang Cheh. Definido como a unificação, em um só elemento, da dialética entre salvação e aniquilamento, o trágico constitui-se a partir do instante em que os esforços do espírito para libertar-se do peso físico, por meio da disciplina e do treinamento, materializam-se na luta, que é também o momento em que o corpo, uma vez ferido, faz-se sentir e revela a impossibilidade de uma libertação, conduzindo a ambos, corpo e espírito, à ruína final. A tragicidade não se dá em nível de roteiro, mas de imagem. Nos filmes de Chang, há sempre um movimento em que o herói salta, mas alvejado por alguma arma ou golpe, cai. Rodopios, braços distendidos e slow motion compõem o plano. Nesse movimento híbrido de salto e queda, estabelecemos a imagem síntese do corpo trágico. |
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Bibliografia | BORDWELL, David. Planet Hong Kong: popular cinema and the art of entertainment. Massachusetts: Harvard University Press, 2003. 329p.
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