ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | A ressignificação de imagens de arquivo entre a ficção e o documentário |
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Autor | Marcelo Dídimo Souza Vieira |
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Resumo Expandido | A fronteira entre a ficção e o documentário tem se tornado cada vez menos nítida, e o abismo que separava essas duas linguagens tem ficado cada vez menor. O diálogo entre a ficção e o documentário não é próprio do cinema contemporâneo. No entanto, nas últimas décadas, realizadores do Brasil e do exterior tem transitado por esses polos e várias obras audiovisuais têm ganhado destaque por manterem um diálogo aberto e diegético entre a ficção e o documentário.
A partir da década de 2000, algumas obras audiovisuais têm sido realizadas com a preocupação de manter esse diálogo entre a ficção e o documentário de forma mais visceral, em que as linguagens se sobrepõem e, por vezes, não é possível fazer a distinção entre um e outro. Na medida em que um rico diálogo se estabelece entre o regime de criação ficcional e os procedimentos documentais, volta ao debate essa clássica distinção entre os dois modos como o cinema se relaciona com o mundo fora das telas. Por isso não é exagero destacar esse diálogo como um dos traços mais marcantes do cinema brasileiro contemporâneo. (MATTOS, 2011: 1) No Brasil, alguns filmes de baixo orçamento e sem grandes bilheterias, mas com ideias ousadas e que trabalham esse diálogo entre as duas linguagens de forma bastante original, tem merecido destaque no meio cinematográfico: Serras da desordem (Andrea Tonacci, 2006); Santiago (João Moreira Salles, 2007); Jogo de cena (Eduardo Coutinho, 2007); Moscou (Eduardo Coutinho, 2009); Juízo (Maria Augusta Ramos, 2008); Morro do céu (Gustavo Spolidori, 2009); Filmefobia (Kiko Goiffman, 2009); e Viajo porque preciso, volto porque te amo(Marcelo Gomes, Karim Aïnouz, 2009). Estes filmes procuram, cada um a seu modo, trabalhar diegeticamente e de forma sutil o diálogo entre a ficção e o documentário. São obras que fogem da estrutura narrativa clássica e que buscam uma reflexão estética acerca da produção cinematográfica, se desprendendo dos rótulos de gêneros. Dentre os filmes citados, Santiago e Viajo porque preciso, volto porque te amo têm um diferencial, o uso de imagens de arquivo em sua narrativa. Essas imagens, no entanto, não se referem aos arquivos que estamos acostumados a ver nos filmes, de telejornais ou películas antigas, mas de um arquivo próprio, um acervo pessoal de imagens dos realizadores, que serão revisitadas posteriormente e, consequentemente, ressignificadas. João Moreira Salles decupou com extrema precisão o seu projeto de documentário sobre o antigo mordomo que trabalhava na sua casa, repetindo os planos exaustivamente até a perfeição, o que acabou transformando o produto final (não finalizado) em uma história ficcional, tal era o nível de direcionamento que Santiago recebia, perdendo a naturalidade que advém do primeiro registro. Ao retomar o projeto, anos depois, o realizador entrou em crise, pois ficou claro que deixou de lado o deveria ser prioritário: o que o imigrante apaixonado pelas nobrezas e dinastias queria falar, mostrar, revelar. O resultado dessa crise é uma forte autocrítica sobre a produção do documentário e a manipulação das imagens. Já no filme de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, o processo estrutural é inverso, embora o ponto de partida seja o mesmo. Os realizadores tinham a intenção original de fazer um filme sobre sertão. Quando retomaram o projeto e começaram a fazer a seleção das imagens, concluem que elas têm emoção suficiente para construir uma narrativa dramática e passam a buscar uma forma de costurá-las para tal. Daí surge o personagem narrador, que faz a mesma incursão dos diretores pelo sertão – claro, as imagens são o resultado dessa viagem. Nos dois filmes, os realizadores passaram por um processo de maturação com seus primeiros registros, com suas imagens de arquivo próprio, pessoal. O que resultou foram questionamentos sobre a captação de imagens documentais e, a partir desse registro, porque não ressignificá-las, criticá-las, dramatizá-las. Eis o espírito desse diálogo. |
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Bibliografia | COMILLI, Jean-Louis. Ver e poder. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.
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