ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Roberto Farias e Bazin: múltiplos realismos e encontros inesperados |
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Autor | João Luiz Vieira |
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Resumo Expandido | A partir da realização do seminário internacional Impure Cinema Conference, promovido pela Universidade de Leeds entre um e quatro de dezembro de 2010 tenho dedicado parte de meu tempo à releitura revisionista de Bazin, motivado por uma reinserção hipotética na contemporaneidade de alguns de seus postulados, em especial de sua defesa cada vez mais atual de um visionário cinema impuro e também do mito do cinema total.
Hoje em dia, sem dúvida alguma, concordamos todos que a realidade é sempre uma construção e que uma certa inocência sobre a crença no realismo intrínseco do meio (cine)fotográfico defendida por Bazin também é página virada na teoria do cinema, especialmente no confronto entre a produção de imagem foto-analógica do passado e as imagens de síntese digitais de hoje. Entretanto os tempos atuais também são marcados por uma espécie de ceticismo compulsivo, além de um relativismo cínico sobre verdades consagradas e ortodoxas. Talvez, mais que antes, este seja um momento privilegiado de interpelar a realidade e o realismo bazinianos propondo a leitura comparativa de dois textos audiovisuais radicalmente diferentes na forma e nas suas configurações temporais, objetivos e resultados, mas que, por outro lado, também, possuem inesperados pontos de contato e intersecção e nos ajudam a sobrepor imagens que podem, como numa fusão, dobrar, desdobrar e redobrar passado e presente num fluxo contínuo que emociona e move o espectador. São eles: um fragmento do longa Selva trágica(dir. Roberto Farias, 1964) e um pequeno “documentário” sem título veiculado no Youtube sobre um episódio extraordinário acontecido no último dia 5 de março de 2012 em Arraial do Cabo. Num determinado momento de Selva trágica, ambientado no sul de Mato Grosso do Sul, quase na fronteira com o Paraguai, em meio a uma situação de exploração semiescravagista em plantações de erva mate, um mateiro se esforça para levantar e carregar nas costas um enorme e muito pesado fardo compactado de erva mate. Câmera frontal, a meia distância, dele não se vê o rosto, abaixado para conformar seu corpo ao suporte de uma pesada carga. Em um inusitado plano sequencia de um filme de aventura com uma montagem muitas vezes ágil, ele vai, aos poucos e com muita dificuldade, levantando a carga e colocando em seus ombros e nas costas. À sua frente um capataz observa e se aproxima, oferecendo sua bota como um providencial apoio. O mateiro consegue e, trôpego, vai executando sua tarefa. Quase 50 anos depois, em imagens digitais provavelmente capturadas com uma câmera fotográfica sem autoria reconhecida, um outro plano sequencia registra a aflição e o salvamento de cerca de 30 golfinhos encalhados na Prainha, Arraial do Cabo. Quase três minutos e meio de tensão no espaço e tempo reais daquele episódio onde acompanhamos a solidariedade de pescadores locais e alguns turistas que se aventuram no salvamento dos animais. Tanto na película do filme de Farias quanto nas imagens digitais de um registro anônimo, ecos concretos do mais “puro” realismo baziniano: sem cortes, privilegiando espaço e duração contínuos, um hábil controle da mise-en-scène sustenta um fragmento enquadrado de uma realidade que se espalha para fora dos limites do quadro, ampliado. Inclusive, no registro amador, por uma grande profundidade de foco. Será que a digitalização das imagens cortou realmente o cordão umbilical entre imagem e referente conforme toda a base que sustenta a teoria realista de Bazin? A transparência exaltada e defendida por ele ficou opaca com as imagens digitais? A proposta aqui, na revisão e recuperação de Bazin aos tempos atuais, deixa claro que a encenação cinematográfica do real pode ser contada de formas bastante diferentes e que seria bem mais produtivo falarmos de realismos, no plural, para dar conta de algumas possibilidades (e efeitos) oferecidos pelas tecnologias contemporâneas. |
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Bibliografia | BANZIN, André. A ontologia da imagem fotográfica, in: O cinema, ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991, 19-26;
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