ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Documentário e estética autoetnográfica |
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Autor | Juliano José de Araújo |
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Resumo Expandido | As produções audiovisuais de caráter etnográfico implicam, necessariamente, na ideia de uma alteridade, pois se trata de “um olhar de fora sobre uma determinada cultura” (Aufderheide, 2011, p.181). Olhar, neste caso, de um pesquisador, um antropólogo, um “homem branco”, normalmente, com finalidades científicas. Os sujeitos, comunidades ou grupos sociais retratados por tais produções, entretanto, correm o risco de se tornarem meros exemplos e estatísticas para ilustrar e expor resultados, configurando, uma modalidade chamada por France (1998) de “filmes de exposição”.
Essa visão, digamos, “tradicional” do filme etnográfico, começou a ser criticada ainda na década de 1950, em especial, nos trabalhos do antropólogo-cineasta Jean Rouch. A posição do interlocutor nativo, questões de epistemologia e ética estavam presentes em filmes como Os mestres loucos (1954-55) e Jaguar (1954-67), atingindo seu ápice em Crônica de um verão (1960) (Ginsburg, 1995, p.261). Rouch pode ser considerado pioneiro e, sem dúvidas, estava muito a frente de outros antropólogos de sua geração, na medida em que para ele o conhecimento deveria ser proveniente não da observação científica mas, ao contrário, de um processo de ajustamento mútuo e engajado entre cineasta e sujeitos (Henley, 2009, p.321). É dessa forma que o antropólogo-cineasta começa a delinear os princípios de sua práxis cinematográfica, a qual denominaria de “antropologia compartilhada”. Inserido nesse contexto teórico, o objetivo desta comunicação é pensar quais são as implicações estéticas para o audiovisual de não-ficção, a partir da realização de documentários por comunidades indígenas, essencialmente de tradição oral. O que ocorre quando comunidades, até então somente observadas, passam a ter o controle sobre o processo de realização cinematográfico (preparação, filmagem e montagem)? Analisaremos documentários da série Cineastas indígenas, realizados no âmbito do projeto Vídeo nas Aldeias por indígenas das etnias Kuikuro, Huni Kui, Panará, Xavante, Ashaninka e Kisedje, de diversas regiões brasileiras. Buscaremos identificar os procedimentos estilísticos utilizados nesses documentários, os quais acreditamos, a título de hipótese, caminhar rumo à configuração de uma estética autoetnográfica no campo do audiovisual de não-ficção. Entendemos a autoetnografia como “um veículo e uma estratégia para mudar formas impostas de identidade e explorar possibilidades discursivas de subjetividades não-autorizadas” (Russel, 1999, p.276). A alteridade na produção audiovisual contemporânea, conforme defende a autora, está nos próprios realizadores, em suas famílias, comunidades e nações. Dito de outro modo, o que está em jogo é justamente “um outro familial” ao invés de “um outro exótico”, verdadeira “etnografia doméstica”, conforme propõe Renov (2004, p.218). A partir da análise fílmica, na perspectiva de Aumont e Marie (2009), discutiremos alguns procedimentos utilizados pelos cineastas indígenas nos documentários, tais como a narração em primeira pessoa, o uso diferenciado da voz over, o abandono do ideário realista que marcou os filmes etnográficos, o emprego da encenação, o uso da imagem de arquivo etc. São procedimentos estilísticos que surgem imbricados com questões como a memória, a história, a fabulação, o desejo e a lembrança, fazendo do campo audiovisual uma prática social e cultural. |
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Bibliografia | AUFDERHEIDE, P. Vendo o mundo do outro, você olha para o seu: a evolução do projeto Vídeo nas Aldeias. In: ARAÚJO, Ana Carvalho Ziller (Org.). Vídeo nas Aldeias 25 anos: 1986-2011. Olinda: Vídeo nas Aldeias, 2011.
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