ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Duchamp, Coutinho e a pedagogia das apropriações e deslocamento |
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Autor | Greice Cohn |
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Resumo Expandido | Quando Marcel Duchamp criou seus primeiros readymades, no início do século XX, inaugurou a prática artística de apropriação e deslocamento de objetos do cotidiano para os ambientes da arte, estratégia que se apresentou como uma operação decisiva para os artistas da segunda metade do século XX. O dispositivo de apropriação e deslocamento transfere o valor da obra para o gesto, “Duchamp pretendia subtrair a existência física do objeto em favor do ato de escolha, propondo que a obra fosse o gesto e não o objeto” (FARIAS, 1999, p.49). Seu ato pressupõe a participação do espectador e resulta numa visão fenomenológica da arte, característica da pedagogia duchampiana. Ao deslocar os objetos de seu habitat funcional e transpô-los para o espaço da arte, Duchamp transforma e desestabiliza nossa relação com eles, provocando em nós um novo olhar que os ressignifica, transmutando-o de objeto utilitário para objeto simbólico e poético. A operação duchampiana partiria, então, da constatação do crescimento virtual de um objeto, ao deslizá-lo para longe de seu contexto habitual, onde “os objetos como que se agigantariam, insuflados pelo teor insólito” a eles acrescentado (ibid.).
O filme de Coutinho, ou material de pesquisa para um filme futuro, como o cineasta prefere chamar, foi feito a partir da captação de 19 horas de variadas produções de tevê aberta brasileira, incluindo imagens de programas de auditório, novelas, telejornais, programas religiosos, políticos, comerciais, televendas, entre outros materiais originalmente produzidos para a TV, que o cineasta edita em uma hora e meia de filme. É justamente no gesto de pilhagem e profanação (LINS, 2010) desses materiais televisivos ou, como preferimos chamar, de apropriação e deslocamento, que reside a pedagogia do filme de Coutinho. As imagens que vemos em Um dia na vida estão pulverizadas na variada programação da televisão aberta brasileira, sendo, portanto, familiares, velhas conhecidas de todos nós, mas quando as assistimos em casa, as vemos de outra maneira. Nossa apreciação televisiva é dispersa e frequentemente interrompida, modo de recepção que é radicalmente transformado no gesto de deslocamento provocado pelo cineasta, que, ao trazer essas imagens concentradas e em seqüência, produz nos espectadores uma sensação de estranheza e incômodo que resultam num novo olhar sobre o que vemos. A montagem de Coutinho torna nossos ouvidos mais sensíveis à gritaria reinante, nos restituindo a experiência da primeira vez que vimos na televisão, sem a inocência da primeira vez (LEANDRO, 2012). São muitas as perguntas que o gesto de Coutinho provoca, e é justamente na formulação de perguntas que reside sua semelhança com a proposição de Duchamp. Tanto o gesto de Coutinho como do artista dadaísta estão impregnados de uma pedagogia questionadora, que deixa questões em aberto, provocando nos espectadores uma sensação de desconforto e estranheza. Coutinho afirma, na palestra Conversas com Eduardo Coutinho a propósito da televisão, na mesa de abertura do Programa de Pós-Graduação em Educação, realizada na UFRJ, que “quis colocar numa sala de cinema, com o público, alguma coisa que não é destinada a isso”, assumindo o gesto apropriativo e o seu deslocamento como proposta fundadora desse trabalho. Assim como em Duchamp, é o gesto do artista que transforma um urinol numa obra de arte; em Coutinho, é também o gesto de apropriação e deslocamento que transforma os modos de fruição das imagens televisivas, produzindo uma obra poética e portadora de uma pedagogia própria. Desenvolvemos neste trabalho uma reflexão conceitual sobre a pedagogia dos gestos de Duchamp e Coutinho, e a articulamos com a experiência de apresentação do filme Um dia na vida para alunos do ensino médio do Colégio Pedro II, uma escola pública do Rio de Janeiro, analisando a recepção deste filme, assim como a reação dos alunos (comentários e produção plástica) ao trabalho do cineasta. |
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Bibliografia | FARIAS, Agnaldo. Por que Duchamp? E por que Jac Leirner em “Por que Duchamp”? In: INSTITUTO ITAÚ CULTURAL. Por que Duchamp? Leituras duchampianas por artistas e críticos brasileiros. São Paulo: Itaú Cultural: Paço das Artes, 1999, pp 44-51.
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