ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | O filme de estrada e a imanência do fora-de-campo |
|
Autor | Samuel Paiva |
|
Resumo Expandido | Aproximar o pensamento deleuzeano e o filme de estrada é uma possibilidade que pode ocorrer inclusive a partir da literatura. Especificamente sobre Kerouac (autor de On the road), Deleuze e Claire Parnet (1998) admiram as frases sóbrias (“era preciso um verdadeiro alcoólatra para atingir essa sobriedade”, dizem) e mais: “Não conhecemos livro de amor mais importante, mais insinuante, mais grandioso do que 'Subterrâneos', de Kerouac. Em suas reflexões sobre a literatura anglo-americana, Deleuze e Parnet trabalham a possibilidade de linhas de fuga (“fugir é traçar uma linha, linhas, toda uma cartografia”) capaz de levar a descoberta de mundos ou à sua desterritorialização. E isso é reconhecível em autores da literatura anglo-americana (além de Kerouac, por exemplo, Melville, Stevenson, Virginia Woolf, etc.) para quem “tudo neles é partida, devir, passagem, salto, demônio, relação com o de fora”, na medida em que essa literatura opera “segundo linhas geográficas: a fuga rumo ao oeste, a descoberta que o verdadeiro leste está no oeste, o sentido das fronteiras como algo a ser transposto, rechaçado, ultrapassado” (pp.49-50).
Existiria alguma possibilidade de conexão entre essa ideia de linhas de fuga reconhecíveis num certo tipo de literatura (na qual, pressupomos, os beatniks são emblemáticos) com a ideia do fora-de-campo no cinema, nos próprios termos de Deleuze? É possível que sim, na medida em que a “relação com o de fora” nessa literatura parece coincidir com o “fora-de campo” no cinema, na própria perspectiva deleuziana. Na literatura, a relação com o de fora implica, por exemplo, linhas de fuga que encontram as “minorias” (“dir-se-ia que a escritura por si mesma, quando ela não é oficial, encontra inevitavelmente ‘minorias’” [e] “uma minoria nunca existe pronta, ela só se constitui sobre linhas de fuga que são tanto maneiras de avançar quanto de atacar”, p.56). A função da escrita, ou do escritor, seria então relacionada a um fluxo que se conjuga com outros fluxos (“todos os devires minoritários do mundo”, p.63), numa dimensão mutante entre a criação e a destruição que pode se estender por sucessivos “agenciamentos” (produtores de enunciados) e “acontecimentos” (físicos e metafísicos, coincidindo com verbos no infinitivo, que são “devires ilimitados”, p.77). Já no cinema, uma aproximação mais direta entre Deleuze (2009) e o filme de estrada pode ser notada, em Imagem Movimento, quando ele afirma que “a câmera móvel é como um equivalente geral [grifo do autor] de todos os meios de locomoção que mostra ou de que se serve (avião, automóvel, barco, bicicleta, marcha, metrô...)” (p.44), citando em seguida Wim Wenders, mais precisamente os filmes No decurso do tempo e Alice nas cidades. Mas, além disso, propomos, sua relação com os filmes de estrada também poderia ser dada a partir, tal como ele a compreende, da noção do “fora-de-campo”, que parece manter conexões com sua concepção de “linhas de fuga” na literatura. Para Deleuze (que avança nesse caso com uma reflexão em que inclui Bergson, Bazin e Noel Burch), um sistema fechado (como um enquadramento) é sempre comunicante: “há sempre um fio para ligar [...] qualquer conjunto a um conjunto mais vasto”(p.36). Assim, um dos aspectos do fora-de-campo é um “aspecto absoluto pelo qual o sistema fechado se abre a uma duração imanente ao todo do universo, que já não é um conjunto e não é da ordem do visível” (p.36). As funções do fora-de campo seriam, primeiro, “acrescentar espaço ao espaço” e, segundo, “introduzir o trans-espacial e o espiritual no sistema que nunca está perfeitamente fechado” (p.37). Propomos, então, que a “estilística” segundo Deleuze – noção pautada pela concepção do plano em movimento (p.43) – pode levar a correspondências entre as linhas de fuga da literatura de estrada e os fios que nos road movies tensionam o campo e o fora-de-campo. |
|
Bibliografia | DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo: cinema 2. Trad. Rafael Godinho. Lisboa: Assírio e Alvim, 2006.
|