ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Afetos sólidos e dispositivos emergentes no cinema de Tsai Ming-Liang |
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Autor | Ian de Vasconcellos Schuler |
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Resumo Expandido | O diretor Tsai Ming-Liang criou uma obra marcada pelo isolamento e incomunicabilidade de personagens mergulhados, paradoxalmente, na fragmentária e transbordante experiência sensorial da metrópole contemporânea. Como cita o crítico Fernando Veríssimo (2000), podemos entender seu cinema a partir de uma "matriz de repressão e isolamento específica do passado violento, hibridez cultural e futuro incerto de Taiwan".
Traçando um breve espectro das propostas do diretor, podemos analisá-lo a partir de duas frentes conceituais distintas: primeiro, relativa ao conceito de “dispositivo”, em suas múltiplas compreensões, mas, no caso, concentradas na análise de Giorgio Agamben; e, segundo, em relação ao conceito de “afeto”, como configurado em trabalhos como os de Brian Massumi e Leela Ghandi. Anne-Marie Duguet define o dispositivo da seguinte forma: “ao mesmo tempo máquina e maquinação (...), todo dispositivo visa à produção de efeitos específicos. Esse “agenciamento dos efeitos de um mecanismo” é de início um sistema gerador que estrutura a experiência sensível a cada vez de maneira específica” (1988, p.6). Podemos dizer que os dispositivos produzem esquemas “sensórios-motores”, capazes de capturar o que seria um hipotético repertório infindável das experiências humanas. O dispositivo instala limites, determina arquiteturas interiores e exteriores. Giorgio Agamben radicaliza o conceito, ao colocar que tudo o que delineia a experiência humana é um dispositivo, ou seja, até “a linguagem mesma, que é talvez o mais antigo dos dispositivos (...)” (2005, p.5). Uma temática particular dos filmes de Tsai Ming-Liang se refere a “espaços de passagem”, ou seja, locais espacialmente determinados onde se desenrola uma transição cotidiana. Refiro-me a corredores, escadas rolantes, vias, ruas, etc. Poderíamos chamá-los de dispositivos urbanos de passagem. Tais locais arregimentam a experiência motora, de forma próxima ao que diz Michel Foucault sobre os espaços disciplinares, que: “garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos gestos” (2004, p.126). No entanto, o que muitas vezes vemos em Tsai é um contraste entre a captura da experiência por esses dispositivos e as “linhas de fuga” possíveis, ou seja, momentos onde uma “emergência singular” extrapola as experiências capturadas. Tal concepção de “emergência” nos conduz às teorias do afeto, e a autores como Brian Massumi (1995), onde o afeto é configurado como uma experiência quase ilegível, ou seja, diferente da linguagem que é capaz de repertoriar toda a experiência. Com tal premissa, pretendemos abordar alguns pontos acerca da constituição de uma “comunidade afetiva” singularizada, onde pensaremos cenas dos filmes de Tsai Ming-Liang em consonância com os aportes teóricos de Leela Ghandi em Comunidades Afetivas (2005). Ghandi, ao tratar da filiação entre sujeitos irremediavelmente separados (por exemplo, o caso de um inglês que durante a colonização se filia tanto a política, quanto as pessoas e as práticas indianas), encontra um ponto de fuga para vários níveis de determinismo, seja sexual, local, político, etc. De forma próxima, no final do filme Vive L’amour (1994), o protagonista, após recusar boa parte das chances de contato com a única pessoa que parecia disposta a se aproximar dele, enfim consegue se comunicar, mas apenas no momento em que esse outro está dormindo, ou seja, num estado diferente de comunicabilidade. Assim, temos um caso de deslocamento das estruturas de amizade ou amorosas, mas também das espacialidades “reais”, pois acontece um encontro num novo espaço, do inconsciente, dos olhos fechados, que gera uma fissura nos relações e nas localidades comuns. Por fim, também esperamos encontrar interseções entre as duas teorias, casos onde uma repercute e até se insere na outra, de modo que desdobramentos imprevistos serão observados. E acreditamos que o trabalho de Tsai Ming-Liang nos dá margem para tais elaborações. |
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Bibliografia | AGANBEM, Giorgio. O que é o dispositivo?. In: O que é Contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Editora Argos, 2009.
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