ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Um brasileiro ensaiando na vanguarda francesa: Alberto Cavalcanti |
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Autor | Patricia Rebello da Silva |
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Resumo Expandido | Seria possível encontrar em Alberto Cavalcanti - um brasileiro radicado na França, incorporado ao grupo da vanguarda surrealista dos anos 1920 e cooptado em meados de 1930 por John Grierson, o escocês que estabeleceu os parâmetros da escola do documentário britânico - o começo da escrita ensaística no documentário? O que explica a escolha de um diretor que, é bem provável, jamais tenha feito qualquer relação entre o termo "documentário" e seus trabalhos, como o realizador do filme que se arrisca considerar como o primeiro ensaio nesse domínio do cinema?
Boa parte dos mais interessantes desdobramentos do documentário surgiu nas situações em que ele foi concebido livre de constrições narrativas, e nas ocasiões em que teve suas histórias tecidas nas fissuras abertas por crises, angústias e dúvidas. Rien que le heures (1926), é a um só tempo produto e produtor de suas próprias condições de existência. O começo do século XX foi povoado por um "surto" de imagens, e em meio a um turbilhão de acontecimentos, os movimentos das vanguardas artísticas desenvolveram um cinema que cruzava fragmentos de cenas capturadas sobre o real, com manifestações artísticas do campo da pintura, da escultura e das artes plásticas. O filme-ensaio de Cavalcanti está a um só tempo inscrito neste momento, e também nele se singulariza: porque elege como tema um objeto para transformá-lo em ideia, e também porque inaugura uma reflexão que está no centro dos procedimentos da forma ensaio. Uma reflexão teórica do ensaio no documentário ainda é um campo com muitas possibilidades. Assim como acontece nos domínio da literatura, também no cinema ele ainda não teve suas principais características totalmente delimitadas. Seja porque o ensaio continua existindo sob o estigma de ‘obra aberta’ e sem contornos delimitados, seja porque os limites entre o cinema experimental, o cinema de arte e o ensaio são mesmo difíceis de estabelecer, ou simplesmente porque, escolhemos chamar alguns filmes de ‘ensaio’ pelo conforto de encontrar um nome, um território por onde fazer circular conceitos e estratégias. Não por outra razão, uma das formas mais comuns de se referir a esses filmes, na tentativa de uma identificação, é determiná-lo por aquilo que ele não é: não é uma forma definida, não é um gênero, não obedece regras fixas, não é uma forma fechada, não é documentário, não é ficção, não é linear, etc. Se até muito pouco tempo, boa parte dos debates no domínio da imagem girava em torno de um conceito de "representação de mundo" (e no documentário, não podemos esquecer o quão isso foi fundamental, e continua sendo), talvez hoje seja mais importante olhar e refletir sobre as maneiras como as próprias imagens programam nossa forma de pensar o mundo. É isso que, de forma pioneira, Cavalcanti realizou em Rien que les heures, e que nos autoriza a identificá-lo como um documentário. Ao contrário de boa parte dos realizadores da vanguarda francesa, Cavalcanti parecia menos interessado em testar os limites da ressignificação da imagem, e as potências dos jogos que elas poderiam engendrar, apenas como experiência estética que, a partir de uma outra perspectiva, de tom mais crítico e político, ressaltar os pontos de vista dialéticos. É claro que inscrito no gesto de chamar um urinol de "fonte" está implicado um deslocamento que se quer essencialmente político e provocador. Todavia, as questões lançadas por Cavalcanti são muito mais concretas no sentido de como o cinema pode, a partir da imagem, lançar mão de processos e métodos capazes de gerar debates, mobilizar e incomodar o espectador, a ponto de nele precipitar um processo reflexivo. |
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Bibliografia | ADORNO, Theodor. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2003.
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