ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Eles não usam black-tie no cinema: Leon Hirszman diante da(s) morte(s) |
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Autor | Reinaldo Cardenuto Filho |
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Resumo Expandido | Encenada em 1958, Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, foi marco fundador de uma geração comprometida em definir o campo artístico a partir de reflexões de fundo marxista. Escrita por um jovem integrante do PCB, a peça provocou, à sua época, um significativo processo de atualização no teatro brasileiro: além de deslocar para o centro da narrativa o personagem operário, Black-tie apostava na tradição do realismo crítico como dramaturgia que provocasse no espectador um salto de consciência ideológica. Ao compor uma peça que pretendia instigar a praxis política sob influência de certo imaginário comunista romântico dos anos 1950, Guarnieri consolidou um representação idealizada do nacional-popular. Embora o texto trate de uma fissura, rompimento provocado pela dissonância entre o pai líder operário e o filho fura-greve, predomina um tom positivo: a vitória na greve, assegurada pelos vínculos comunitários do morro, parece suplantar a dor da separação familiar. Black-tie ajustava-se a uma composição esquemática do popular, confiando-lhe um heroísmo exemplar, com boa dose de teleologia, no qual reverberava a crença de que era possível tomar posse da História e conduzi-la em direção a novos tempos.
Passados mais de vinte anos, Leon Hirszman resolveu adaptar Black-tie para o cinema. No final dos anos 1970, em parceria com Guarnieri para a escrita do roteiro, o cineasta não demoraria a perceber a necessidade de atualizar a peça, cujo sentido político fora construído com base em um idealismo pecebista anterior ao golpe de 1964. Embora Hirszman ainda continuasse comprometido com o ideário do PCB, tinha a sensibilidade de perceber que o Brasil em torno de 1980 vivia um profundo processo de desgaste social, acelerado pelas contradições provocadas pelo regime militar, o que tornava impossível manter o espírito romântico encontrado no texto original de Guarnieri. Ainda que o país vivesse um clima de euforia, em parte provocado pelo novo sindicalismo do ABC paulista e pela redemocratização, o PCB, como representante de uma esquerda antiga, adentrava os anos 1980 em crise, desligado das bases populares e sem condições de responder às novas agendas políticas. O desafio de adaptar Black-tie para o cinema, atualizando o texto ao novo contexto histórico, onde a teleologia anterior da esquerda mostrava-se inviável, levou Guarnieri e Hirszman a uma tentativa de repensar o jogo dramático contido na peça. Embora o filme mantenha - em tom mais ameno - um olhar idealista ao compor a velha militância, possível resultado da fidelidade de seus autores à tradição pecebista, ao mesmo tempo desestabiliza a ingenuidade romântica anterior ao representar essa mesma militância em meio a um Brasil tomado pela violência e pela morte. Na peça, a morte quase não é evocada: presente apenas em breves diálogos, acaba por perder-se no clima geral de otimismo, acionado pela vitoriosa greve operária. No filme, em que a greve é derrotada pela repressão, a morte não apenas permanece como dado sensível para a leitura de um Brasil em crise, como também encontra-se ampliada. No roteiro, Guarnieri e Hirszman incluem assassinatos inexistentes no texto original: o do pai de Maria por um bandido; o de um jovem assaltante pela polícia; e o mais impactante, o do militante Bráulio, cuja morte é praticamente símbolo de uma velha esquerda em vias de desaparecimento. Retomando a tradição do realismo crítico, aproximando-o de uma visualidade televisiva, o Black-tie (81) de Hirszman procurou negociar com um saber construído pelo marxismo brasileiro: sem renegar a memória de luta dos pecebistas, mantendo assim certo grau de idealismo, o cineasta não se isentou de propor uma leitura mais complexa de Brasil, evitando a teleologia da peça em nome de uma representação do país (e da esquerda tradicional) em crise. O objetivo da fala será analisar o filme à luz dos problemas expostos, buscando refletir sobre o papel que o cinema desempenha na construção da memória histórica. |
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Bibliografia | COSTA, Iná Camargo. A hora do teatro épico no Brasil. São Paulo: Graal, 1996.
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