ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Jogando com os gêneros: a estrada (nada) perdida de David Lynch |
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Autor | Rogério Ferraraz |
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Resumo Expandido | Em 1984, Ismail Xavier, no apêndice de seu livro O discurso cinematográfico, apontava que, no cinema daquela época, a citação, o refazer e o deslocar passavam novamente a primeiro plano, a produção autoral era uma “ficção de segundo grau”, repetindo dispositivos clássicos, mas com um novo sentido, “porque sua atmosfera não é mais a de um uso inocente da convenção e do repertório, mas a do rearranjo hiperconsciente das mesmas figuras de estilo, deslocadas, revigoradas pela introdução de ingredientes novos” (p.147). A “grande aposta”, concluía Xavier, “é que, em todo este processo de reiterações e deslocamentos, o cinema de hoje faça ver melhor as próprias convenções de linguagem, as leis dos gêneros da indústria cinematográfica e seu sentido, ideológico e político, no interior da cultura de massas” (p.147). No cinema norte-americano contemporâneo (compreendido aqui a partir da década de 1980), um dos diretores que cumpriu essa “grande aposta” foi David Lynch.
Em suas obras, Lynch trabalha com temas recorrentes e apresenta características que se repetem, o que permite qualificá-los como traços autorais. Vários deles, porém, surgem do modo como Lynch trabalha com os gêneros cinematográficos, como o policial e o noir, o horror, o road movie, entre outros: o cineasta faz uso dos principais clichês desses gêneros, ora para homenageá-los ora para subvertê-los e transgredi-los. Lynch desenvolve uma espécie de cinema limítrofe que opera exatamente nos limites entre ilusionismo e anti-ilusionismo, narrativa clássica e propostas de vanguarda, filme de gênero e filme experimental. Este cinema limítrofe embaralha formas fílmicas e conceitos artísticos distintos, produzindo um jogo de quebra-cabeça narrativo e estético, em que a junção das partes (ou pistas) resulta na formação de um todo complexo e de múltiplos significados. O rearranjo dos gêneros é uma peça importante desse jogo. Para demonstrar como isso ocorre no cinema lynchiano, escolhemos analisar o filme A estrada perdida (Lost Highway, 1997). A obra começa a nascer em 1995, quando Lynch entra em contato com Barry Gifford para propor que, juntos, escrevam o roteiro de um filme. Lynch, que já havia adaptado uma obra do escritor, Coração selvagem (Wild at Heart, 1990), ficara intrigado com uma frase do livro Night People, de Gifford: “Cutie, we just a couple Apaches ridin’ wild on the lost highway...” (Gifford, 1992: p.5) Lynch gostaria de criar uma estória a partir daquela idéia de uma “estrada perdida”. Dois anos depois, o filme é lançado: nele, Lynch desenvolve ainda mais seu quebra-cabeça de imagens e sons, em que a esquizofrenia e a duplicidade são fatores imprescindíveis. No próprio roteiro, a produção é descrita como: “A 21st-century noir horror film. A graphic investigation into parallel identity crises. A world where time is dangerously out of control. A terrifying ride down the lost highway.” (Lynch, Gifford, 1997[a]: p.3) Mas essa mistura de gêneros, aliada ao uso de elementos intertextuais, como referências aos seus outros trabalhos e citações a filmes de outros cineastas, observada em A estrada perdida e descrita pelo próprio Lynch não é exclusiva dessa obra. A apresentação que Michael Atkinson faz de Veludo azul (Blue Velvet, 1986) atenta para essa complexidade do cinema de Lynch: “um filme de estúdio hollywoodiano da década de 80 tão radical, visionário e cabalístico quanto qualquer produção de vanguarda; um filme cult misteriosamente simbólico e subterrâneo, que apesar disto conta com estrelas reconhecíveis e distribuição ampla; um ‘quadro de gênero’ com a ambiência de um temível e hiperelaborado pesadelo; um ‘filme de arte’ americano feito pelo único diretor conceituado de ‘filme de arte’ de Hollywood.” (2002: p. 11) Portanto, o objetivo desta comunicação é observar de que modo ocorre esse jogo com os gêneros na obra de Lynch, analisando, como caso exemplar, o filme A estrada perdida, sem perder de vista outros trabalhos do cineasta. |
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Bibliografia | ATKINSON, Michael. Veludo azul. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.
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