ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Fendas do real: máscaras do poético em Cópia fiel, de Abbas Kiarostami |
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Autor | ANA LUCIA DE ALMEIDA SOUTTO MAYOR |
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Resumo Expandido | “Seja documentário ou ficção, o todo é sempre uma grande mentira que contamos. Nossa arte consiste em contá-lo de que modo que acreditem nela” (KIAROSTAMI, 2005:87). A afirmativa de Kiarostami põe por terra qualquer tentativa de preservar rígidas fronteiras entre a realidade e a ficção, tomando-as como categorias absolutas. Trata-se, em verdade, de pensar interfaces e intersecções entre esses territórios, problematizando estratégias discursivas engendradas de modo tornar porosas as fronteiras entre eles. A filmografia desse cineasta iraniano apresenta-se como uma espécie de “todo permanentemente aberto”, em que singularidades e semelhanças entre as diversas narrativas fílmicas que integram esse “todo” são atravessadas por essa compreensão fundante acerca da matéria narrada.
Todavia, essa “mentira”, cuidadosamente arquitetada, seja documentário ou ficção, apresenta-se inevitavelmente atravessada pelo real, na medida em que todo discurso implica um reflexo – mais ou menos direto – do contexto em que foi produzido. A questão seria pensar, então, os processos de atravessamento do real na superfície do texto fílmico, pondo em questão os limites de captura das imagens e as fendas por elas registradas de um real fugidio, movente, indomável. Kiarostami configura-se como um cineasta determinado a “deixar brechas em seus filmes que serão ocupadas e, algumas vezes, até perfuradas por algo da realidade que não pode ser diretamente captado pela câmera cinematográfica” (PEREIRA, 2010). Essas brechas dizem respeito a tudo o que pode fugir à tentativa de controle do cineasta; não somente no plano das ações dos atores (ou não atores, em se tratado do cinema de Kiarostami), das locações, dos fenômenos naturais, mas também nas palavras, nos ruídos, nos silêncios improváveis. “... nós filmamos algo que não é visível, filmável, não é feito para o filme, não está ao nosso alcance, mas que se encontra lá com o resto, dissimulado pela própria luz ou cegado por ela, ao lado do visível, sob ele, fora do campo, fora da imagem, mas presente nos corpos e entre eles, nas palavras e entre elas, em todo o tecido que trama a máquina cinematográfica” (COMOLLI, 2001:105). Alain Bergala, em entrevista a Mário Alves Coutinho acerca das contribuições decisivas de André Bazin para os estudos cinematográficos (“O cinema epifânico e sagrado de André Bazin”), aponta essa dimensão poética, epifânica da imagem, partindo de uma compreensão original do pensamento baziniano. Segundo Bergala, Bazin, em seus textos críticos, evidencia a potência “perfurante” da imagem, capaz de, ao registrar a realidade em sua superfície aparente, revelá-la em suas camadas mais profundas, em um “dar a ver” outro, um “mais-além” da própria imagem, possibilitando ao espectador um “salto duplo mortal”: simultaneamente, dentro e fora do visível. “Na verdade, o que diz Bazin é que a câmera é praticamente suficiente para que o real nos apareça. O mais importante na teoria de Bazin é a ideia da epifania. É a ideia que, graças à invenção do cinema, da câmera, podemos ter epifanias do real, do real o mais comum. A ideia que é mais importante em Bazin é que tudo quando a câmera filma, pode ser modulado em epifania”. (BERGALA, em entrevista a COUTINHO, 2010). O presente trabalho discute as relações entre o real, a realidade e a ficção em Cópia fiel, de Abbas Kiarostami (Copie conforme, 2010), buscando evidenciar os mecanismos de construção do poético no filme, explorando diferentes fronteiras – estéticas, geográficas, culturais, de gênero – tensionadas nessa narrativa. Desvendando os “territórios realistas” de Kiarostami em Cópia fiel, em busca de “zonas poéticas” neles inscritas, pretende-se revelar os mecanismos discursivos empregados nessa construção, destacando o papel fundamental do espectador, em sua travessia por elipses, lacunas, vazios do texto de Kiarostami. |
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Bibliografia | BERGALA, Alain. Abbas Kiarostami. Paris: Cahiers du Cinéma, 2004.
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