ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Por uma performance afetiva: o amor do corpo |
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Autor | Patrícia Colmenero Moreira de Alcântara |
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Resumo Expandido | A ruptura com o cinema narrativo clássico e a falência dos esquemas sensórios-motores (DELEUZE, 2007) originam um novo tipo de protagonista. O motivado, capacitado e simpático herói clássico foi substituído por um personagem indeciso e obscuro, que perambula, em caminhada interior, em uma eterna reflexão sobre a consciência da sua impotência. Representações da temática amorosa também ruem e um novo panorama das relações afetivas se impõe diante de uma crise nas crenças românticas de eternidade e felicidade, perdidas em um mundo inseguro. Procura-se uma forma de vivenciar o amor, uma proposta perceptiva em relação à realidade lacunar e que aponte mais caminhos do que a comum frustração romântica ou a satisfação perversa dos prazeres imediatos, como o sujeito do desejo de Thomas Hobbes ou os amantes líquidos de Zygmunt Bauman. Num cinema de vidente, em que surge a imagem-tempo, é possível ver o que antes era oculto. Sem o movimento, enxerga-se o que estava escondido para além da miríade de ações. Mas a ausência da deslocação previsível, que já trazia em si todas as respostas, faz com que os amantes, como se tivessem os olhos vendados por um tecido, tenham que adivinhar caminhos e encontrar uma nova maneira de experimentar a visão. De forma performática, os amantes-médiuns inauguram buscas afetivas, “desenhando e redesenhando conexões por um processo de automodificação” (DEL RIO, 1998, p.3), gerando a própria existência. O corpo será o guia visionário para experimentar as configurações afetivas. O corpo pensa o impossível, “ele força a pensar o que escapa ao pensamento, a vida” (DELEUZE, 2007, p. 227). Corpo e cinema tornam-se a mídia em excelência para a performance afetiva, porque o que acontece com o corpo fica instantaneamente perceptível na tela. A “expressão-evento” (DEL RIO, 1998, p.10) torna o afeto algo visível, palpável. Ao mesmo tempo, a performance aponta para uma proposta inovadora, em um corpo sem órgãos, um espaço de criatividade anárquica, que transcende a funcionalidade (típica da imagem-movimento). O corpo pensa sem pensar e lidera o caminho das questões amorosas que parecem não ter resposta. São várias as tipologias de amor e a errância dos amantes em busca de um paradigma. Neste artigo, faremos uma revisão delas para explicar o cenário da crise dos afetos: o amor platônico; o amor caritas; a mística religiosa e o amor cortês, em que o sujeito se anula por um objeto distante; o amor romântico, que valorizou a vida íntima e ergueu a experiência amorosa ao centro das existências individuais; os amores de Hobbes; Rousseau e Sartre, que elevaram o sujeito na relação; e as propostas contemporâneas, o amor confluente de Anthony Giddens e o amor líquido de Bauman. Na análise do filme Movern Callar, de Lynne Ramsay, propomos compreender o “corpo cerimonial” (DELEUZE, 2007, p.229) da protagonista, como uma experiência performática e vidente de uma vivência amorosa pós-crise que recupera o amor ao mundo, de Hannah Arendt, uma ética de responsabilidade (e conexão) com o mundo que permite um olhar renovado, em que o amor pode ser experimentado de forma menos sofrida e mais acolhedora: “É ser capaz de perceber que estamos, de fato, articulados com coisas muito maiores e deixar de representar o parceiro, ou como uma subespécie entre as coisas que nos dão satisfações prazerosas, ou como a encarnação rediviva do amor a Deus ou à Dama do amor cortês” (COSTA, 1999, p. 126). Diante dos rituais de sepultamento e memória do namorado suicida de Morvern, ela encontra uma forma de relação com o outro mundo. A partir de um cotidiano de clichês, como atendente de supermercado, emana uma poética no banal (LOPES, 2007). Em contraponto à estética do excesso das festas e das drogas, a música-memória deixada pelo amado propõe diferentes posturas à protagonista, não como uma nostalgia da perda do encantamento com a vida, mas como a possibilidade de encontrar um outro vínculo com o mundo e com o amor. |
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Bibliografia | BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
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