ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Um filme 100% brasileiro: o Brasil visto pelos olhos do poeta |
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Autor | Elizabeth Maria Mendonça Real |
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Resumo Expandido | Um filme 100% brasileiro (1986), de José Sette é, segundo consta nos créditos, uma adaptação livre da obra poética de Blaise Cendrars. Para fazer esta adaptação, o diretor baseou-se em uma seleção da obra literária de Blaise inspirada em sua experiência no Brasil. Além de poemas, o diretor/roteirista selecionou três textos da série chamada Elogio da vida perigosa: O lobisomem de Minas, O “coronel” Bento e Febrônio índio do Brasil.
A adaptação surge a partir do diálogo com uma obra ou obras anteriores, como um processo de interpretação e recriação que se completa na experiência do espectador. Os limites de uma adaptação, entendida como processo criativo e dialógico, são bastante amplos e nosso interesse nesse trabalho será perceber como esses limites foram explorados pelo diretor, levando-se em conta as possibilidades específicas de cada mídia assim como os entrecruzamentos possíveis entre os meios e linguagens. Concentrando-se na experiência de Blaise Cendrars no Brasil, o filme inicia com a vinda do escritor de navio e se encerra com sua partida. A experiência brasileira vivida por Cendrars é registrada como uma espécie de delírio. Ainda no navio, o personagem, interpretado pelo ator Savero Roppa, recebe uma descarga elétrica de um raio em meio a uma tempestade tipicamente tropical e transforma-se em outra pessoa. A partir daí, o personagem será vivido alternadamente por Roppa e por Paulo César Pereio, seu lado mais anárquico e boêmio. A opção pelo uso de cenários pintados e de figurinos estilizados ressalta a artificialidade da encenação e ajuda a compor uma entonação teatral que caracteriza o filme. Sette vale-se do uso de recursos poéticos, com inserções de planos curtos que sugerem metáforas, metonímias, sinestesias, antecipações, mesclando indiferentemente tempos e espaços ligados à memória, à imaginação e à fantasia. Trazendo o autor como personagem e narrador, o filme extravasa o universo ficcional, caracterizando os eventos narrados de modo subjetivo, a lembrar ao espectador que se trata de uma visão de mundo particular, uma experiência de vida, repleta de sensualidade e poesia, imersa num delírio transformador. Cendrars, como personagem, deixa-se contagiar pela experiência delirante no país do carnaval, da sensualidade e da loucura antropofágica. É a partir de suas emoções e de seu olhar sobre o Brasil que se constrói a narrativa. A escolha do viés expressionista é apropriada para o tom subjetivo do filme. A visão distorcida da realidade, provocada pelo uso da lente grande angular e representada nos cenários pintados, intensifica a expressão da experiência aguda vivida por Blaise, revelando ao espectador que se trata de uma tentativa de fazê-lo vivenciar o Brasil pelos olhos do estrangeiro. Movimentos de câmera desestabilizadores simulam o balanço do navio ou expressam um estado emocional. Ao ver o filme, mergulhamos no universo da literatura cendrarsiana, guiados pelo próprio escritor. Poético, o filme exige do espectador o uso da intuição e da emotividade diante das imagens de euforia e desespero. Polifônica, a narrativa se constrói a partir da incorporação de outras vozes à poesia de Cendrars, incluindo textos de autores como Oswald de Andrade e Machado de Assis. Neste filme heterogêneo, elementos narrativos e estilísticos, quase autônomos, se sobrepõem: a poesia, a música, as imagens do carnaval, do sexo e da violência, as paisagens ensolaradas do Rio e os cenários pintados de inspiração expressionista. |
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Bibliografia | AMARAL, Aracy. Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas. São Paulo: Ed. 34 / Fapesp, 1997.
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