ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Experiência, registro e montagem em dois filmes-diário de Jonas Mekas |
|
Autor | Patrícia Mourão de Andrade |
|
Resumo Expandido | Partimos de dois filmes-diários de Jonas Mekas: Walden alson known as diaries, notes and sketches e Lost, lost, lost, para pensar como o diário em sua forma fílmica lida com a experiência do tempo no registro e posteriormente na edição. Lançado em 1969, Walden marca o início de um ciclo, ainda em andamento, de diários, anotações e esboços do qual Lost, lost, lost (1975) também faz parte. Nos filmes integrantes desse ciclo, Mekas reúne fragmentos, pequenos registros poéticos do seu cotidiano colhidos ao longo dos anos.
Os diários, diferentemente das autobiografias, oferecem uma série de presentes descontínuos. Se as autobiografias se elaboram a partir de um trabalho da memória que retorna ao passado para trazer dele relatos verdadeiros ao presente, os diários dirigem-se a um presente ativo, fenomenológico, de duração inteiramente insignificante e nula, trabalho daquilo, como diz Blachot, “que se ultrapassa e avança para amanhã”. Entretanto, ao menos no caso do cinema, a reunião desses fragmentos descontínuos na montagem para uma exibição futura coloca à investigação do diário filmado uma série de questões incontornáveis. Essas questões não se colocam da mesma maneira ao diário escrito, onde as figuras do editor e do autor são frequentemente distintas. Ainda que o diarista conceba um leitor imaginário, dificilmente este leitor faz parte de uma constelação anônima e pública de leitores, como acontece com os espectadores de cinema. Os homes movies permitem uma aproximação mais justa entre a prática do diário filmado e a escrita do diário nos termos acima colocados. A prática regular do filme de família constitui, ela mesma, uma forma de diário íntimo; o que os diferencia dos filmes-diários é precisamente a junção e edição de todos os fragmentos coletados em um filme e sua consequente inserção em um regime de visibilidade público. Os filmes de Jonas Mekas são exemplares desse encontro entre os regimes privado e público de visibilidade. Mekas começa a filmar em 1949, quando chega aos Estados Unidos. Ele filma seu dia a dia, seus encontros, amigos e a vida em Nova York. Inicialmente ele filma para manter a familiaridade com a câmera, enquanto se prepara para fazer um “filme de verdade”. É só em 1969 que as primeiras imagens desse diário íntimo, mantido há 20 anos, são reunidas em um filme, Walden. Cobrindo um período relativamente curto, entre 1966 e 1969, o filme é marcado pela instantaneidade no registro e na edição. As imagens são registradas com a câmera na mão, em velocidades variadas e em single frame shot, que registra tal qual uma câmera fotográfica, imagens fixas, com intervalos variáveis entre um fotograma e outro. A montagem de cada rolo restringe-se à sequencialização das tomadas, inserção de cartelas, que funcionam majoritariamente como legendas de fotografias, e eventuais acréscimos de trilha ou comentários over. Esses são em grande parte celebrações do presente registrado pelas imagens e, em geral, todo o filme é uma exaltação do presente fenomenológico. Lost, lost, lost, lançado sete anos depois, abarca um período bem maior de tempo: suas imagens foram produzidas entre 1949 e 1963. O arco temporal alongado e a distância que separa a montagem do registro imprimem ao filme um olhar retrospectivo. As imagens são mais estáveis que em Walden, menos trepidantes e também duram mais; a voz over e as cartelas reforçam a distância no tempo e também de si próprio, aqui Mekas usa a terceira pessoa para falar de si. Interessa-nos investigar como os dois diários organizam essas experiências temporais distintas. |
|
Bibliografia | BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
|