ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Tempo e tédio nas imagens de The algiers’ sections of a happy moment |
|
Autor | Luciana Guimarães Dantas |
|
Resumo Expandido | Uma intensa investigação sobre o tempo, o espaço e as condições da percepção atravessa toda a obra do artista belga David Claerbout, envolvendo muitas vezes uma exploração dos entrecruzamentos entre fotografia e imagem-movimento, através da tecnologia digital.
A instalação The algiers’ sections of a happy moment (2008) constitui uma projeção de 37 minutos, em looping, de imagens fixas em preto e branco que se sucedem uma a uma ao som de uma suave música árabe. A realização do trabalho, que envolveu a produção de mais de 50.000 fotos e todo um complexo processo de pós-produção, buscou captar diferentes faces daquilo que sucederia em um único instante. A instalação nos faz girar em torno de um “momento feliz” em que homens e crianças reunidos numa laje no alto de uma construção em Argel observam os pássaros. O fluxo pausado das imagens desvia do ritmo apressado, próprio à vida contemporânea, e propõe um mergulho num tempo lento, constituído pelo desdobrar desse único momento. O trabalho situa-se num território artístico estudado por autores como Bellour (1997) e Dubois (2009), que investiga as interferências e tensões entre o movimento e o estático e as imbricações entre diferentes tecnologias. Por um lado, a instalação desconstrói o enquadramento único da fotografia, ao multiplicar e encadear sob a forma de um fluxo o que seria um único instantâneo. Por outro, o trabalho recorre a uma temporalidade característica da fotografia (e das imagens fixas em geral) para criar um fluxo que permite ao olhar deter-se mais longamente sobre cada imagem. Por diversas vezes, Claerbout afirmou buscar em seus trabalhos contrapor-se a uma temporalidade vinculada à narrativa cinematográfica clássica, que está sempre à frente do espectador (o que significa que este encontra-se sempre em atraso) e que, assemelhando-se a uma flecha, atua como uma progressão do antes ao depois, do passado ao futuro. (CLAERBOUT apud COOKE, 2002; VAN ASSCHE, 2007). Em The algiers’ sections of a happy moment, o fluxo criado alia algo da pensividade das imagens fixas (BARTHES, 1984) a um certo ímpeto de movimento, proporcionando um contínuo pausar que nos permite percorrer as imagens, descobrindo nelas e entre elas sutis variações no que aparentemente mantém-se parado. Em nossa abordagem, a discussão das operações técnicas situa-se sempre em relação ao plano das sensações e afetos produzidos pelo trabalho, que Deleuze e Guattari (1992) nomeiam como plano de composição estética. Muitas das sensações que vem à tona na instalação vinculam-se a uma temporalidade particular produzida pela flutuação em torno de um só momento - um tempo que não flui para o futuro, mas que prolonga o presente. Essa temporalidade propõe uma experiência marcada pela tonalidade afetiva do tédio. O estreito vínculo que existe entre o tédio e um modo peculiar de relacionamento com o tempo foi apontado por Martin Heidegger. O filósofo afirma que a experiência do tédio corresponde à de um “tempo que se torna para nós longo” (HEIDEGGER, 2006, p.58). A deriva em torno de um momento único a que nos convida o trabalho de Claerbout, parece partilhar da proposta heideggeriana de “não-se-contrapor-imediatamente” ao tédio, como fazemos habitualmente, mas “deixá-lo ressoar”; dar-lhe muito mais espaço ao invés de tentar proteger-nos dele (HEIDEGGER, 2006, p.61). Em The algiers’ sections of a happy moment, o ressoar do tédio envolve a articulação de múltiplos pontos de vista de uma mesma situação, que se conectam, produzindo novos percursos no espaço, religando de modos diferentes aquilo que já se encontrava unido, estreitando a trama espacial. Essa diferenciação do espaço, assim como a temporalidade que lhe corresponde - um estender-se do presente - são processos marcados pela delicadeza, que dão a ver sutis variações, que descortinam pequenos mundos no interior de um só momento. |
|
Bibliografia | BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984.
|