ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | A fabricação do visível: Hitchcock-DePalma-Antonioni-Argento |
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Autor | Luiz Carlos Oliveira Junior |
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Resumo Expandido | A insistência do olhar ou a fixação da atenção sobre um fragmento do mundo visível provoca uma perfuração das aparências, como a ponta de um cigarro furando um tecido pelo contato prolongado. O olho queima aquilo que “toca”, como demonstra, em Os pássaros (Hitchcock, 1963), aquela rápida sucessão de planos alternando entre o rosto de Melanie (Tippi Hedren), sempre com o olhar fixo em algum ponto, e o fogo se propagando pelo chão num posto de gasolina, algo que o clímax da sequência do baile em Carrie (Brian De Palma, 1976) apenas dilata e radicaliza.
Essa potência figurante, essa força de fabricação do visível pode aparecer também associada à pulsão de saber. Nesse caso, o olhar não só demarca precisamente o objeto de sua atenção como soma às percepções visuais a atividade intelectual. As informações colhidas pela visão são processadas pela mente e resultam em hipóteses interpretativas. Tão importante quanto o apuro visual é a força imaginativa do pensamento. Há uma série de narrativas modernas que associam a pulsão hermenêutica ao prazer escópico. Em Janela indiscreta (1954), Jeff (James Stewart) tenta quebrar o tédio bisbilhotando os apartamentos vizinhos. O olhar vai do painel coletivo aos dramas individuais, do cotidiano amorfo ao detalhe significativo, da realidade objetiva ao suspense subjetivo. Dispondo de poucos indícios, mas contando com muita engenhosidade, Jeff descobre um crime na vizinhança, uma intriga dissimulada no cotidiano. Assim que ele percebe o detalhe destoante, os fatos seguem a ação de seu raciocínio, as conjeturas da mente se inscrevem no espaço materializando seu desejo de revelar um crime. A intenção faz o real. Em Blow-up (1966), de Antonioni, após ampliar e reampliar uma fotografia feita num parque, Thomas (David Hemmings) pensa ter registrado um crime. O olhar penetra na imagem, mergulha cada vez mais fundo na fotografia, até enxergar o crime que a câmera captou, mas que o fotógrafo só percebeu na etapa de revelação e ampliação. Partindo de uma dúvida do olhar já presente em Janela indiscreta, Antonioni inverte o jogo e mostra uma realidade que não pode ser aprofundada, escavada, penetrada; ele frustra o prazer voyeurístico da procura pelo “segredo atrás da porta”. Mesmo após a descoberta de um possível crime revelado na imagem, a intriga não se desenvolve, o mistério não se desenlaça. Ao contrário de Jeff, Thomas fracassa na tentativa de descortinar o que há por trás da camada mais aparente da realidade. Em Profondo rosso (1975), de Dario Argento, Marc (o mesmo David Hemmings de Blow-up) testemunha o rosto da assassina refletido num espelho na cena do crime, mas não o percebe enquanto tal, pois confunde o espelho com um dos muitos quadros expressionistas pendurados na parede. Voltando à cena do crime, ele nota que um dos quadros do apartamento sumiu (na verdade, o reflexo da assassina no espelho, que agora não está mais lá). Todo o esforço do personagem será para recuperar a imagem que está gravada na memória, mas recalcada no subconsciente. Argento joga o personagem dentro de um espaço pictórico, de um mundo-pintura onde a imagem esquecida poderá, pela ressonância com outras imagens, aparecer e vir à tona. Essas obras têm em comum, além da narrativa calcada em dispositivos ópticos complexos, a convicção de que o visível é menos um dado natural a ser colhido no mundo fenomênico do que um produto (consciente ou não) da atividade mental. Decorre daí toda uma estética que, a despeito da “vocação” ontológico-fenomenológica do cinema, apresenta o mundo filmado menos como uma impressão espontânea da realidade sensível do que como um pensamento em ação e exposição. O movimento do olhar faz deslanchar o movimento do pensamento. Meu intuito é discutir essa dinâmica de fabricação do visível e situá-la numa história moderna das formas cinematográficas, identificando, entre as obras aqui evocadas, uma espécie de rede de transporte subterrâneo das energias figurativas em jogo. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. Matière d'images. Paris: Éditions Images Modernes, 2005.
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