ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | A casa e os afetos no documentário brasileiro contemporâneo |
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Autor | Diego Baraldi de Lima |
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Resumo Expandido | Em contraponto aos fenômenos de exibição da intimidade e de espetacularização da personalidade (SIBILIA, 2008) presentes em boa parte da produção audiovisual recente – como nos formatos de reality shows -, é possível identificar, no campo do documentário, filmes que apontam para regimes de visibilidade antiespetaculares construídos a partir da experiência dos sujeitos ordinários, produzindo “um espectador mais consciente de sê-lo” (COMOLLI, 2008, p. 201). Em alguns destes filmes, a casa e outros espaços da experiência cotidiana aparecerão em destaque. Mais do que isso, na medida em que possibilitam ao cineasta adentrar/compartilhar os espaços domésticos dos sujeitos filmados, tais filmes colocam em cena afetos e relações (entre aqueles que filmam e aqueles que são filmados) constituídos no limiar da hospitalidade, proximidade, cumplicidade.
É interessante lembrar um artigo de Jean-Claude Bernardet, originalmente publicado em 1986, onde o autor aponta as limitações de certos documentários ao mostrar a casa de operários, quando comparados a filmes de ficção (no caso Eles não usam Black-tie, de Leon Hirzman, lançado em 1981). De acordo com Bernardet, no filme de Hirzman “a casa é o centro do filme, daí se parte para outros lugares e a ela se volta, enquanto no documentário, mesmo quando o interior da casa aparece, ela nunca é central” (BERNARDET, 2003, p. 268). Embora Bernardet esteja tratando de filmes de outra época do cinema brasileiro, recorremos ao autor para nos ajudar a pensar a casa e os afetos no documentário brasileiro contemporâneo. Parece-nos que as limitações apontadas por Bernardet têm se tornado cada vez menos perceptíveis quando levamos em consideração alguns documentários recentes, onde há um investimento em situações de filmagem onde os sujeitos são mostrados/acompanhados em espaços domésticos. Em certos casos, quando é permitido ao cineasta mostrar espaços da casa dos sujeitos filmados, também podemos entrever novas possibilidades de compartilhar histórias, memórias e afetos relacionados à vida íntima dos sujeitos em cena. Se a casa surge em vários filmes recentes como lugar aberto aos afetos, para os efeitos dessa apresentação trabalharemos com a manifestação desta relação entre a casa e os afetos no documentário contemporâneo a partir dos filmes A falta que me faz (Marília Rocha, 2010) e Morro do céu (Gustavo Spolidoro, 2009). Ainda que bastante diferentes em seus procedimentos expressivos e nas modalidades de relação que explicitam em suas escrituras, estes filmes adentram, como um visitante que tivesse sido “explícita e livremente convidado a entrar” (CERTEAU, GIARD, MAYOL, 2009, p. 203), em espaços da casa dos sujeitos filmados. Fazem-nos olhar para a casa não como edificação definida por sua arquitetura, mas sim como “ser de sensação, um composto de perceptos e afectos que emerge (...) dessa conjunção de elementos heterogêneos de toda ordem, que a todo o momento se resume num só enunciado: estou em casa!” (BRANDÃO, 2008, p. 65). Tendo em vista que “o território onde se desdobram e se repetem dia a dia os gestos elementares das ‘artes de fazer’ é antes de tudo o espaço doméstico, a casa da gente” (CERTEAU, GIARD, MAYOL, 2009, p. 203), o interesse de alguns documentários pelo modo como os sujeitos filmados ocupam os espaços domésticos da experiência cotidiana nos instiga a pensar, conforme proposta de Denilson Lopes, em uma poética do cotidiano (LOPES, 2007, p. 24) ou, ainda, em uma “nova poética da casa e da intimidade” (idem, p 109). |
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Bibliografia | BERNARDET, J. C. Cineastas e imagens do povo. SP: Companhia das Letras, 2003.
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