ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | As formas da memória. Restos, de Albertina Carri |
|
Autor | Hernan Rodolfo Ulm |
|
Resumo Expandido | Neste trabalho, tenta-se uma aproximação às temáticas da memória documental partindo de uma análise do curta-metragem Restos, de Albertina Carri. Este filme, fazendo parte do projeto “25 miradas, 200 minutos”, organizado pela Secretaria de Cultura da Nação do governo argentino por ocasião da comemoração do bicentenário do 25 de Maio, coloca a questão do desaparecimento da memória (no mesmo sentido que se fez desaparecer pessoas nas ditaduras militares) pela sustação e perda do material fílmico produzido na clandestinidade nas épocas de repressão ideológica e política. O desparecimento deste material é colocado pela diretora como um apagamento da memória e como uma preocupação pelos modos de rememoração disso que se apaga (quer dizer que se submete à denegação). Assim, como recuperar aquilo que foi, de fato, apagado pela história? O filme se apresenta assim como um modo ficcional de se confrontar com os apagamentos do “histórico”, quer dizer, como um modo de fornecer algum sentido àquilo que foi condenado ao desaparecimento. O que não é verdadeiro para a história pode ser, porém, lembrado pela memória. Deste modo, na mesma perspectiva oferecida pelo filme Los Rubios, da mesma diretora, o nível do ficcional se apresenta como um meio para questionar as verdades das histórias oficiais sobre o passado.
Neste sentido, tentaremos uma dupla aproximação: de um lado, partindo de alguns conceitos de Aby Warburg, Didi Huberman e Deleuze, tentaremos nos perguntar pelo caráter especial do tempo como “memória” em oposição do tempo como “história”. Neste sentido, a memória é o foco de uma disputa onde a questão histórica da verdade cede lugar à questão política do sentido: documentar não é apenas tentar estabelecer uma verdade dos fatos acontecidos, senão também procurar fornecer sentido ao horizonte do presente, especialmente quando as lembranças tentam se apagar pela violência que interdita os meios de recuperação daquilo que foi desaparecer não é apenas um modo de esquecer, pelo contrário é um modo de apagar a memória. Deste modo, de um outro lado, tentaremos, na perspectiva aberta pelo pensamento de Vilém Flusser, indagar o caráter material da memória e as possibilidades que os suportes em que esta é armazenada oferece para uma tal tarefa de relembrar. Deste modo, se a dinâmica da memória é possível partindo da tensão polar (Warburg-Didi Huberman) entre esquecer e lembrar, as metáforas digitais do “apagamento da memória”, do “apagamento das imagens”, induzem, por seu caráter binário, à possibilidade da morte digital daquilo que não se tem suporte para se “revelar”, também não tem espaço para se acumular. As imagens insuportáveis, neste caso, não encontram suporte para permanecer. O local onde estas duas formas de abordagem se encontram é no caráter material das imagens cinematográficas. Restos articula uma voz que narra os fatos históricos com imagens que não poderiam ser “verídicas” já que essas imagens foram apagadas da memória. Porém, pelo viés da ficcionalidade, é possível, nessa dupla referência da voz e do visível, contestar as colocações que a memória pode se fazer diante daquilo que, para além das tentativas de silenciá-la, se oferece em nosso presente como o sintoma que emerge no meio disso que cala. As imagens do cinema podem, assim, documentar a fratura de um presente que, para além de toda clausura, não deixa de se abrir nas fendas daquilo que não consegue se enunciar nem dizer em palavras. Fazer legíveis as imagens, como sustenta Didi Huberman é, deste modo, fornecer ferramenta de análise para documentar o que não cessa de se manifestar nas reconfigurações das montagens e remontagens que o cinema faz possíveis. Neste sentido, Restos é apenas o que fica de uma memória na queda da história quando não temos mais imagens para dar. Mas esses restos, isso que volta nas imagens da ficção são o bastante para nos oferecer aquilo que esquecemos, naquilo que alguns quiseram apagar. |
|
Bibliografia | Didi Huberman G.. Devant l'image. Minuit, 1995.
|