ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Por uma cartografia da personagem no documentário |
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Autor | Claudio Roberto de Araujo Bezerra |
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Resumo Expandido | O cinema herdou do teatro ocidental moderno a noção de personagem como entidade psicológica e moral, encarnada de modo convincente por um ator e capaz de provocar no espectador um efeito de identificação. Naturalmente, o cinema de ficção foi quem primeiro abraçou essa herança. E se no filme primitivo o ator encarna mais um tipo social, uma figura ou estereótipo ainda com certa gestualidade teatral pela ausência da fala, o naturalismo na interpretação tornou-se o modo mais habitual de representar no cinema sonoro, embora, como se sabe, existem outros.
No campo do cinema documentário, Robert Flaherty, um dos maiores documentaristas de origem teatral, segundo John Grierson (1972), foi dos primeiros a usar a encenação dramática da ficção com um nativo, para representar situações da vida de determinado microcosmo social. Ao mesmo tempo em que elogia o pioneirismo Grierson critica o que considera como “tendência neo-rousseauniana” na obra de Flaherty, cujos filmes bucólicos procuram revelar “a ingenuidade primitiva ou a antiga dignidade do homem frente às ameaças dos deuses” (p.153). Para Grierson, ao invés de se deslocar para os confins do mundo em busca de um heroísmo em extinção, o documentarista deveria mostrar o drama do homem moderno na sociedade industrial. E é justamente na escola do documentarismo britânico criada por Grierson que emerge uma nova categoria de personagem: a vítima social. O heroísmo de Flaherty e a vitimização griersoniana fincaram raízes na tradição documentária em diferentes modalidades, e ainda hoje aparecem em grande parte dos documentários dramatizados contemporâneos, sobretudo, da televisão paga. Mas desde o final dos anos 1950, com o advento do chamado documentário moderno, outros atores sociais foram entrando em cena, notadamente o cidadão comum com sua banalidade cotidiana ou os que levam uma vida marcada por ambiguidades e contradições, nem vítima nem herói. É o caso, por exemplo, dos participantes do cinema verdade de Jean Rouch ou dos filmes quebequenses de Michel Brault. No entanto, ao mesmo tempo em que configura uma categoria de personagem documentária, os cinemas diretos também desenvolvem novas modalidades de vítimas e heróis, em particular, nos Estados Unidos. Dos anos 1990 em diante o documentário coloca em evidência novos personagens: o próprio cineasta (muitas vezes oriundo do campo das artes experimentais) e o indivíduo cindido e/ou exibicionista, atravessado pela saturação de imagens do espetáculo midiático, que projeta imagens modulares de si quase como um ator profissional interpretando diferentes papéis. Tem-se aqui uma diversidade de filmes que abarcam desde os chamados documentários experimentais de narrativa indireta livre aos denominados de modo performático por Bill Nichols ou mesmo os de entrevista, a exemplo dos filmes mais recentes do brasileiro Eduardo Coutinho. Dois aspectos são fundamentais para a discussão da personagem documentária nessa comunicação: 1) a definição e adequação ou não do uso do termo personagem para nomear aquele que participa de um documentário, uma vez que personagem em sua matriz etimológica designa um papel interpretado por um ator profissional; 2) a possibilidade de se propor uma espécie de cartografia dos modos como os participantes se apresentam e/ou são apresentados nos documentários, a partir de um recorte histórico-estético da tradição documentária em seus momentos e obras-chave. Cabe ressaltar que esse mapeamento será composto por tendências dominantes, não em termos de exclusão ou exclusividade, uma vez que alguns aspectos estéticos e modos relacionados, por exemplo, ao documentário contemporâneo, podem aparecer em um ou outro documentário moderno. |
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Bibliografia | CANDIDO, A. et al. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2002.
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