ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | “Um filme de”: dinâmicas de inclusão no documentário brasileiro |
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Autor | Ilana Feldman |
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Resumo Expandido | A comunicação aqui proposta deveria ter como problema o seguinte título: “Do regime representativo ao performativo: dinâmicas de ‘inclusão’ do olhar do outro no documentário brasileiro contemporâneo”. Porém, na impossibilidade de um título tão extenso, optou-se por uma versão mais sintética, que pela expressão “um filme de” visa problematizar as estratégias, bem como as consequências, da inclusão do olhar do outro no contexto da cena documental. Tais dinâmicas de inclusão, seja de imagens produzidas por outros (personagens do documentário), seja de imagens outras (não necessariamente endereçadas ao filme), têm pautado alguns dos mais instigantes – e simultaneamente problemáticos, no melhor dos sentidos – filmes brasileiros realizados na última década, caso de Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, PE, 2010), Pacific (Marcelo Pedroso, PE, 2009) e Rua de mão dupla (Cao Guimarães, MG, 2004). Em um contexto de intensificação da dimensão performativa em detrimento da dimensão representacional, materializada pelo permanente trânsito entre uma “etnografia discreta” e uma “auto-etnografia” (não tão discreta assim), essas dinâmicas inclusivas têm implicado formas diversas de partilha, reapropriação, tensionamento e “desapropriação”, tanto dos enunciados quanto da própria enunciação fílmica. Dito isso, é preciso ressaltar que o deslocamento do regime representativo (pautado por um ponto de vista estável e pela exclusão daquele que filma como condição do estabelecimento de uma perspectiva) para o performativo (pautado por múltiplos pontos de vista instáveis e pela inclusão daquele que filma, ou seja, pela absorção do espaço da câmera no âmbito da diegese fílmica) não pressupõe uma polarização dicotômica, uma clivagem, mas a sustentação de uma tensão, um corpo a corpo entre os sujeitos e os dispositivos de criação, sem a qual, no limite, a forma fílmica cederia ao informe. Contudo, se essas renovadas formas de “partilha do sensível” (Rancière, 2005) e reordenamento do visível baseadas em dinâmicas e protocolos formais inclusivos produzem efeitos estéticos e deslocamentos de sentido bastante interessantes, seria preciso avaliar, em cada caso, quais efeitos políticos advém dessas novas (re)partições. A aposta feita aqui é que as “retóricas inclusivas” (nos âmbitos estético e político) são insuficientes para pensar o que está em jogo nesse regime performativo, quando as “formas de vida se performam em imagem” (Brasil, 2010). Nesse sentido, seria preciso sustentar que a dimensão eminentemente política dessas estratégias não se encontra exatamente nas dinâmicas de inclusão, mas, antes, na reposição de certa distância, na reposição de uma noção de separação. Evidentemente, tal defesa não significa um retorno a um regime representativo baseado na separação do espectador da cena (o qual deveria se apagar para então, alheio a si próprio, se projetar no espaço da cena) nem na exclusão do olhar daquele que filma (já que, segundo a lei do perspectivismo, para que se possa ver é preciso que algo permaneça excluído). Antes, a distância e a separação são compreendidas aqui como condição mesma de toda e qualquer relação, seja no âmbito do cinema, da vida ou do pensamento, isto é, como condição mesma da consciência de si e da relação com o outro. Como escrevera um dia Serge Daney (1996), em um dos mais tocantes e políticos textos críticos já escritos: “E o cinema, vejo muito bem porque o adotei: para que ele me adotasse de volta. Para que ele me ensinasse a perceber, incansavelmente pelo olhar, a que distância de mim começa o outro.” |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e Imagens do Povo. São Paulo: Cia das Letras, 2003.
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