ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Bicicletas de Nhanderu: violência do “fora de campo" |
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Autor | André Guimarães Brasil |
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Resumo Expandido | Na proposição do Seminário Temático Cinema, Estética e Política – Engajamentos no presente, um conjunto de questões nos mobiliza especialmente: “Como pensar hoje o 'cinema brasileiro'”, considerando, fortemente, aquilo que estaria “fora de campo”: os filmes que, ligados à vida dos grupos e comunidades nos quais se criam, circulam de maneira dispersa e reticular.Tomando como “fora de campo” a produção de cinema por realizadores e coletivos indígenas – boa parte dela fomentada no âmbito do projeto Vídeo nas Aldeias -, nos dedicaremos a analisar o filme Bicicletas de Nhanderu (Coletivo Mbya-Guarani de Cinema, 2011), de forma a identificar, em sua forma expressiva mesma, possíveis relações com o “dentro de campo”, no caso, o país, o “nacional”, a cultura dominante.
Esse desenho, contudo, deve ser logo invertido: se o filme é realizado por um coletivo indígena – trata-se de uma manifestação do que Manuela Carneiro da Cunha (2009) denominou de “cultura com aspas”, por meio da qual os índios encenam sua própria cultura – é o “nacional” que passa, então, ao “fora de campo”. Algo, portanto, como uma “virada perspectivista” do cinema: aquele que era tido como “outro” vai para o centro da cena, assume – ainda que de maneira híbrida, matizada, negociada – a enunciação, levando o “Brasil” para as bordas. O fora de campo (o que está fora da aldeia) se infiltra e tensiona a vida do grupo: ele se materializa precariamente na escola, nas referências da mídia, na festa, onde os índios dançam, bebem e jogam. Está, nesse sentido, “dentro”: no imaginário das crianças, nas falas dos mais velhos, no próprio processo de feitura do filme (que é a todo tempo problematizado pelo grupo). Trata-se portanto de uma relação complexa: se por um lado o “fora de campo” é o que contém, circunda (e constrange) o “dentro de campo” (a vida na aldeia), por outro ele lhe é coestensivo e intrínseco, “como o oceano que nada dentro do peixe, penetrando-o e constituindo-o como figura do (e não apenas no) oceano” (Viveiros de Castro, 2002, p.430). Filmada de maneira instável e “desconfortável”, a festa na aldeia é “uma brecha para as coisas ruins”, como dirá Ariel Ortega, diretor e personagem do filme. Brecha portanto por onde o “fora” entra, não sem o risco de desagregação do grupo. Há também um outro fora de campo que ronda a aldeia e que, ainda que não visível, constitui a extrema violência de algumas cenas. Trata-se da ameaça constante dos fazendeiros, que torna a vida do grupo ainda mais vulnerável. Ao nos aproximarmos deste "fora" – por exemplo, quando acompanhamos as andanças de Neneco e Parlermo pelos arredores -, a palavra se agita, se aflige, se torna grito. E assim a tensão se faz audível, tanto quanto visível. À violência do fora de campo os Guarani respondem, no filme, por meio de uma intensa e contínua conversação: sobre a festa, sobre o próprio filme, sobre o raio que caiu na aldeia (somente a ameaça dos fazendeiros não é explicitamente tematizada). Conversam também sobre a “casa da reza”, cuja construção – uma proposição do filme, para o filme – mobiliza o grupo, fortalecendo-o. Mais uma vez, a resistência – frágil e incerta – dos Guarani é tecida pela palavra, esta que mobiliza, se apropria, elabora, desconstrói e, até onde pode, desfaz (desfia) a violência do fora. |
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Bibliografia | CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
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