ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Hanói, Martes 13: documentarismo cubano e cinema materialista |
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Autor | Marcelo Vieira Prioste |
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Resumo Expandido | Praticamente todo o cinema cubano pós-revolução (1959) pode ser observado como uma construção de oposição. Opondo-se ao modo clássico de representação hollywoodiano na ficção, como opondo-se ao cinema direto no documentário, de Drew, Leacock, dos irmãos Maysles e Pennebaker, pelo seu anseio fundamentado por uma não intervenção. Enfim, uma reação à dominação do viés cultural de um modelo de “capitalismo neocolonial” (FERNANDES, 2007), atuante na ocupação e exploração dos espaços de entretenimento e cultura na América latina ao longo de grande parte do século XX que, ainda hoje, viceja pelos demais países latino-americanos, conforme aponta o pesquisador Paulo Paranaguá (1984).
Em Cuba, o cinema, ao torna-se um dos principais instrumentos para difusão das políticas culturais, a partir da criação do ICAIC - Instituto Cubano del Arte e Industria Cinematográficos, abre espaço para o desenvolvimento de uma forma particular de conjugação entre cinema e política, um “cinema materialista”. Uma expressão que já havia sido usada pelo cineasta Glauber Rocha numa carta a Alfredo Guevara em 1969, ao comentar a produção de Santiago Álvarez, fundador e diretor por mais de 20 anos do Noticiero ICAIC Latinoamericano, o cine-jornal oficial da ilha: “[...] Santiago é quem mais está perto de um cinema materialista.” (ROCHA apud BENTES, 1997, p. 466. Mais recentemente, Philippe Dubois utiliza a mesma expressão para explicar o cinema de Godard, principalmente em sua fase com o do grupo Dziga Vertov: Não apenas mostrar as coisas, mas dizê-Ias, mostrar que as dizemos e dizer que as mostramos. A linguagem como matéria, como objeto exclusivo. Mesmo as imagens servirão para produzir linguagem, texto-imagem. Não se trata mais de contar e nem mesmo de representar, mas de apagar para (re)escrever, de decompor para ver se podemos (re)construir, de rasurar para (re)fazer. Trabalho de palimpsesto cinegráfico (DUBOIS, 2004, p. 270). Portanto, o questionamento às convenções narrativas difundidas pela produção cultural do mundo capitalista converteu-se para Santiago Álvarez na elaboração de uma linguagem cinematográfica peculiar, marcada pela manipulação e consequente reacomodação de sentido das mais distintas imagens por meio de sons, principalmente temas musicais. Transitando da irreverência ao drama e à contestação, numa forma deliberada de enunciação, cumpriu seu papel ao longo da implantação do socialismo cubano. Em Hanói, Martes 13 (38 min.), um documentário de 1967, que registra um bombardeio dos EUA sobre a cidade de Hanói, no Vietnã (do Norte à época). Álvarez nos oferece uma possível aplicação para este conceito. Apropriando-se de uma versão diluída do materialismo marxista que, em termos breves, estaria na oposição a princípios idealistas, valorizando uma leitura histórica do mundo a partir de sua organicidade, em que o relevante “são os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas, como as produzidas por sua própria ação” (MARX; ENGELS, 1999, p. 26); tem-se uma obra que começa com uma sequência de pinturas e gravuras vietnamitas a serem perscrutadas pela câmera, gerando uma opacidade discursiva (XAVIER, 2005) e que, portanto, se assumem como matéria fílmica na sua bidimensionalidade, como forma gráfica e não naturalista. Posteriormente, há o enfoque às ações de trabalho e produção, as intervenções no mundo histórico de seus personagens (reais) em ação, os atores sociais. Para isto, entre em cena a rotina laboral do povo vietnamita, na pesca, no cultivo de arroz, nas atividades urbanas e também na preparação para guerra, cujo desfecho, que só ocorreria em 1975, parece ter sido antecipado pelo filme. Pois, ao seu final, sobre imagens de soldados estadunidenses presos e mortos, uma música gravada em 1966, cujo título é também seu refrão, profetiza: "They're coming to take me away, ha-haaa" (Estão vindo para me levar embora, ha-haaa). |
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Bibliografia | ARAY, Edmundo. Santiago álvarez: cronista del tercer mundo. Caracas: Cinemateca Nacional, 1983.
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