ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Escritas da alteridade em L.A.P.A: variações estéticas, figuras políticas |
|
Autor | Victor Ribeiro Guimarães |
|
Resumo Expandido | L.A.P.A (Cavi Borges e Emílio Domingos, 2008) coloca em primeiro plano os desafios e as oportunidades de sobrevivência na cena hip hop do Rio de Janeiro, a partir de um lugar geográfico revelador: o bairro da Lapa, espaço urbano de trânsito e de reunião entre profissionais e amadores da música. No percurso realizado ao longo do filme – marcado por encontros variados com sujeitos ligados ao rap carioca e por distintas formas de apropriação do próprio hip hop –, diferentes formas de inscrição do mundo do outro se materializam nas escolhas de mise-en-scène e de montagem.
Diante da variedade de procedimentos narrativos, formas de interação e estilos visuais e sonoros que compõem o filme, o trabalho da análise busca revelar como se constituem essas diferentes escritas da alteridade. Entre entrevistas, performances e distintas aproximações ao hip hop, buscamos compreender de que maneira – com que recursos expressivos e a partir de quais operações estéticas – o filme inscreve o mundo do outro, procurando revelar, nesse percurso, quais são as potencialidades e os dilemas da constituição de um gesto político a partir dessas escolhas. Em uma primeira aproximação, o caráter político de um documentário como esse poderia ser buscado nos procedimentos adotados pelo filme para dar visibilidade a uma questão pungente no debate público brasileiro: a situação de sujeitos que vivem num contexto de exclusão social e encontram, na música, uma oportunidade de construir outras narrativas sobre a periferia. Nossa perspectiva, contudo, parte do princípio de que, para a análise da dimensão política do cinema documentário, é essencial tomar os filmes não apenas como sintomas de uma realidade sociopolítica, a qual se veria representada desta ou daquela maneira, mas compreender que cada filme carrega a possibilidade de engendrar gestos políticos próprios, com os meios do cinema. No caso de L.A.P.A, filmar o mundo do hip hop é filmar um universo intensamente povoado por um vasto repertório imagético – não apenas as imagens provenientes do espetáculo midiático, mas também aquelas produzidas cotidianamente pelos próprios sujeitos. Ao se embrenhar em uma realidade já constituída por uma série de narrativas em conflito, o filme pode fazer “com que as representações sociais passem pelas grades da escritura” (COMOLLI, 2008, p.99) e tem a chance de problematizar e produzir deslocamentos em relação a elas. Diante dessa superexposição, o documentário tem como tarefa fundamental a fabricação de um gesto próprio: como não ser apenas uma caixa de ressonância para os discursos já constituídos? Como problematizar a experiência do espectador, constantemente exposto a esse vasto mundo de representações? Com Jacques Rancière (1995, 1996, 2004, 2005), acreditamos que, assim como a política, a arte tem o potencial de perturbar as evidências do sensível ao reconfigurar as relações entre visibilidades, invisibilidades, formas de dizer e de sentir que constituem uma comunidade, e que é nessa potencialidade que reside sua dimensão política primordial. Assim, o que liga as práticas artísticas à questão do comum é “a constituição, ao mesmo tempo material e simbólica, de um certo espaço-tempo, de uma suspensão em relação às formas ordinárias da experiência sensível” (RANCIÈRE, 2004, p.36). A arte – aqui, o documentário – tem a possibilidade de inventar espaços e tempos singulares e, com isso, constituir outras figuras políticas – que deslocam as já existentes na ordem estabelecida do mundo. Em L.AP.A, atentamos especialmente para o estabelecimento de experiências singulares para o espectador, que surgem do encontro com os sujeitos filmados e são engendradas pela escritura do filme. Se a política é o conflito sempre recomeçado em torno do comum de uma comunidade, a potência política de um documentário só pode ser aquela que produz – com seus meios expressivos – uma recombinação dos signos capaz de desestabilizar as evidências dos ordenamentos sociais dominantes. |
|
Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. Lisboa: Editorial Presença, 1993.
|