ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Deixe Ela Entrar: afetos monstruosos e corporeidades estranhas |
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Autor | Diego Paleólogo |
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Resumo Expandido | O mundo é um lugar improvável. No branco, no frio extremo, na solidão, eventos estranhos se desenrolam. Na imensa tela branca, no frio desregulado do ar-condicionado, na multidão anônima que lota as salas de cinema, eventos estranhos produzem desconforto. Finais apocalípticos e inícios turbulentos tendem a evocar imagens do passado. O século XXI começa em um tom grave, desorganizando as fronteiras já borradas entre possível e impossível. Em uma existência na qual todos os eventos estão em jogo e o Mal não possui um corpo fixo, alguma espécie de âncora faz-se necessária. Considerado por muitos a estréia do vampiro literário, o conto "The Vampyre" (1816), de John Polidori (amigo íntimo e amante de Lord Byron), trata, antes, de uma intensa e indissolúvel amizade na qual a identidade está sob ameaça. Anos mais tarde o escritor Sheridan Le Fanu realiza movimento semelhante no breve romance "Carmilla", no qual amizade, intimidade e sangue participam de um mesmo conjunto, produzindo interseções inesperadas. O vampiro surge como uma estranha, deslocada e intensa amizade, produzindo novos e perigosos afetos: no centro dessas relações pulsa morte, loucura, paixão, afetos da ordem do exagero e da ruptura. Exigindo imagens do passado, o cenário conturbado da primeira década do século XXI evoca, mais uma vez, o vampiro. Em um mundo que desmorona lentamente, a figura da criatura imortal que se alimenta de sangue humano é sintomática. Toda a sorte de narrativas explode por todos os cantos: vampiros monstruosos, inumanos, vegetarianos e românticos, os que recusam sua natureza e os que a afirmam com veemência. No entanto, esse vampiro parece manter apenas traços distantes daquele do século XIX. Em 2004 o escritor sueco John Ajvide Lindqvist publica o livro "Låt den rätte komma in "(algo como ‘deixe a pessoa certa entrar’), obscura narrativa sobre vampiros, ambientada na Stockholm da década de 80. Em 2008, o livro é adaptado para o cinema, dirigido pelo sueco Tomas Alfredson e roteirizado pelo próprio autor. Oskar, solitário menino de 12 anos, vive em uma esbranquiçada e gélida Suécia. Vítima de abuso na escola e portador de um corpo pré-adolescente que, esteticamente, ocupa lugar ambíguo entre gêneros, ele conhece Eli, a estranha nova vizinha, que também agencia em seu corpo desorganizações estéticas e afetivas. Os cenários frios e desolados competem com a solidão e os frágeis laços emocionais das personagens. Alfredson e Lindqvist constroem imagens sem calor, angustiantes. É no corpo, na solidão, na violência, que o afeto se estabelece e produz novos sentidos. Låt den rätte komma in retoma, de certa maneira, as amizades estranhas e monstruosas, as relações de alteridade – a criança que produz afetos ambíguos, a monstruosidade, a violência forçada, os limites da amizade. A relação entre Oskar e Eli participa de uma delicada partilha de visibilidades, um jogo de possibilidades através de imagens poéticas que competem e até mesmo transcendem as imagens de violência. O frio, o branco, a solidão, as relações destroçadas funcionam, simultaneamente, como elementos de contenção e explosão. A diferença, no caso desse filme, é o exagero contido, o sangue escasso, a delicadeza – Eli, espécie de criança-vampiro, produz afeto, coloca em cena novas sensibilidades que o século XX parecia ter varrido para debaixo do tapete, tapado com imagens desmesuradas, esvaziadas, de sangue, assassinato, sexo e violência. Eli diz que não é uma menina, ou seja, desorganiza os gêneros e os limites do corpo – mas também não se afirma como masculino. O título do filme e do livro alude ao folclore de que o vampiro precisa ser convidado para entrar na casa. Esse convite estabelece também uma relação de permissividade, confiança e intimidade; o vampiro novecentista, atualizado nessa narrativa, necessita de afeto. Em um milênio no qual todas as relações estão em risco, a amizade emerge como poderoso fio de Ariadne, guiando as descontinuidades através de um sublime labirinto. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. Nudez. Relógio D'Água: Lisboa, 2009.
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