ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Fluxos e climas: amor à flor da pele em objetos,música, transitoriedade |
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Autor | CAROLINA OLIVEIRA DO AMARAL |
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Resumo Expandido | Hong Kong, 1962. Dois casais alugam quartos em apartamentos vizinhos. A Sra. Chan (Maggie Cheung) e o Sr. Chow (Tony Leung Chiu Wai), não vemos os seus pares, mudam-se no mesmo dia. Os móveis e objetos pessoais são entregues nas casas erradas, confundidos, diversas vezes pelos entregadores, o que desde já demonstra uma fluidez entre esses dois casais, entre esses dois quartos, de maneira que fica difícil dizer o que pertence a uma casa ou à outra. Este artigo pretende investigar o fluxo de objetos, músicas e pessoas e, por conseqüência, de memórias, e mostrar como esse trânsito na história de Wong Kar-wai passa pelo poder “aurático” dos objetos.
Aura, para Benjamin (apud. Marks, pg 314) é a “qualidade em um objeto que faz com que nossa relação com ele se pareça com a relação que temos com outra pessoa”. É através de objetos pessoais repetidos que Sra. Chan e o Sr. Chow suspeitam que seus companheiros são amantes: uma bolsa que as duas mulheres têm, gravatas iguais para os dois homens, objetos que circulam nos dois casais, trazendo o mesmo sentimento de objetos trocados no dia da mudança. Marks (2010, p.313) em artigo afirma que “os objetos não são inertes e mudos, mas contam histórias e descrevem trajetórias”. A fluidez entre um apartamento e outro, os afetos entre um casal ou outro é delicadamente sugerida por essa troca e identidade de objetos. O fluxo no filme não é mostrado apenas espacialmente, entre um apartamento e outro, mas também temporalmente, e o título do original em cantonês “Aqueles maravilhosos e variados anos” faz menção explícita a isso. Não à toa, várias vezes relógios aparecem em primeiro plano, ou cartelas indicam a passagem dos anos. O fluxo temporal, no entanto, alterna, entre rotina e momentos em que o tempo parece suspenso, estendido, ganhando uma dimensão transcendental, quase mágica. Dois são os principais recursos usados para dar essa impressão: a câmera lenta e a trilha sonora. Apesar de o filme em toda sua construção estar associado à matriz popular do melodrama, em especial, nesses momentos, percebe-se mais claramente o que chamamos de excesso. Excesso (Thompson, 2004) seria o que não consegue ser unificado pelas forças da narrativa, o que escapa à lógica estruturante. O espectador, então, é chamado para um engajamento emocional, uma maneira física de participar do filme, através de um saber sensório-sentimental (BARBEIRO, 2003) e o feliz título em português parece dar conta disso. A trilha sonora é usada para dar ritmo ao filme e principalmente, construir o tom. Vale lembrar a associação de Pinch e Bijsterveld (2004, pg643) entre música e clima (mood),e entre música e construção de subjetividade, importantes para pensarmos como o filme constrói seus temas e personagens. No caso dos boleros, além da relação romântica, do amor sem solução, há neles uma sensação de deslocamento. A música funciona como “madelines sonoras” e transportam para essa sensação translocal. O fluxo espacial não se resume aos quartos vizinhos, mas, à medida que, a narrativa avança, o personagem de Leung viaja para outros países. O Sr. Chow, ele mesmo um objeto translocal, “torna-se um meio de suas projeções sobre a outra cultura” (Marks, 2010, pg. 314) em Singapura e no Camboja. E em terra estrangeira, os objetos mais uma vez são importantes: a Sra. Chan visita em segredo o quarto dele e apesar de não encontrá-lo sente a sua presença através de seus objetos como o cigarro e o perfume. Ao retornar ao quarto, ele percebe na cama desarrumada a presença da amante. Benjamin afirma que os objetos têm um poder de testemunhar a história que as narrativas não têm, devido a essa materialidade que lhes é natural. Na cena citada, é através da aura característica dos objetos que um contato entre os dois personagens se torna possível. Em todo filme os objetos presentes apontam para os fluxos espaciais e temporais da história. Eles próprios marcam o caminho pelo qual percorre a narrativa, lançando-se todos ao fluxo irregular da memória. |
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Bibliografia | ELSAESSER, Thomas e HAGENER, Malte. Film theory. An introduction through the senses. NY/London, Routledge, 2010.
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