ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | A construção do real no documentário: uma questão de ponto de vista |
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Autor | Clarissa Nanchery |
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Resumo Expandido | Pensar em ponto de vista no cinema a partir do documentário envolve uma série de problematizações sobre ambos os temas. Primeiramente porque a questão do ponto de vista é estabelecida nos estudos de cinema a partir dos estudos de literatura e da narrativa, estando, portanto, muito mais próximo da ficção. Segundo porque, se tomássemos como referência o documentário convencional – imagens de atores sociais que são entrevistados através de uma câmera fixa, num plano médio juntamente com material de arquivo – não teríamos uma variabilidade interessante de pontos de vista que nos impulsionasse a pesquisá-los.
Entendemos, entretanto, o documentário enquanto um ponto de vista do real. Se antepusermos que as imagens de um filme documentário não mostram o real tal como é, mas sim a realidade tal como é construída, estão em jogo escolhas que demarcam necessariamente um ponto vista, uma janela do mundo. Dessa forma, falamos sobre uma representação metonímica do real, uma maneira de compor. Seguindo este ponto de partida, analisaremos a obra de Joel Pizzini, especialmente os filmes que são considerados documentários que estão na hibridação entre o cinema experimental e o cinema de poesia: Caramujo-flor (1989), O pintor (1995), 500 almas (2003), Dormente (2005) e Mr. Sganzerla - os signos da luz (2011). Através dessa filmografia, podemos fugir dos regimes de objetividade e isenção que pairam sobre o documentário. O próprio Pizzini pensa na categoria “documentário de criação” como a possibilidade de valorização da subjetividade e a presença da autoria diante de um determinado fato. Béla Balázs (apud XAVIER, 1983) reflete que “não há nada mais subjetivo do que o objetivo”. Cada imagem e ângulo visual significa uma atitude anterior do realizador, escolhas decisivas para a configuração do real e da criação de determinada relação com o futuro espectador. Na obra de Joel Pizzini, estas escolhas são prementes, pois o cinema que realiza está engajado em recriar o real a partir de experiências da realidade sob um ponto de vista poético. Entendemos que a construção de uma imagem do mundo, seja no filme de ficção ou não ficção, passa necessariamente por escolhas políticas e éticas. Em termos perspectivistas, não há pontos de vistas de diferentes sujeitos, os próprios sujeitos são pontos de vista. Interessa-nos resgatar a discussão sobre a maneira de como se estabelecem as experiências de identificação espectatorial pela experiência cinematográfica a partir do engajamento do ponto de vista. Considerando a escassez da bibliografia, iniciaremos a discussão a partir do aspecto narrativo, mas pretendemos avançar. Alain Bergala (2007) desenvolve a centralidade do ponto de vista apontando como tal elemento está presente em todas as fases do processo de criação de um filme: na escolha da história, na escritura do roteiro, na filmagem, na montagem, na mixagem de um filme. Para ele, o ponto de vista é essencial para compreender como funcionam os processos de identificação no cinema observando que uma de suas singularidades mais significativas, em detrimento do romance ou do teatro, é que a identificação é dependente ao mesmo tempo das situações do roteiro e do ponto de vista tal como é posto em jogo em cada plano e cada cena. Procuraremos enriquecer esta discussão pensando também na condição do espectador discutindo em termos metafóricos da comunicação, pensando-a como o acontecimento (MARCONDES, 2008). Quando falamos em abordagem de ponto de vista estamos a priori priorizando o criador e o filme realizado, mas interessa-nos entrar então no paradoxo da emancipação: o espectador apreende da obra criada e do artista o que este último não sabia que podia transmitir, ligando o que viu com suas outras experiências estéticas, com as suas catarses mais singulares e, nas palavras de Rancière, compondo o seu “próprio poema”. A questão do ponto de vista do real amplia-se e passa então a ser trabalhada como uma construção coletiva entre autor, filme e espectador. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O ponto de vista. In: Eduardo Geada (org.). Estéticas do cinema. Lisboa: Dom Quixote, 1983.
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