ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | O olhar por dentro em A Cidade é uma Só? |
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Autor | Cléber Eduardo |
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Resumo Expandido | Quase ao final de A cidade é uma só?, primeiro longa-metragem do diretor Adirley Queirós, o personagem Dildu, candidato numero 77.223 a deputado distrital pelo PCN (Partido da Correria Nacional), caminha solitário por uma rua da Ceilândia, a cidade satélite de sua moradia, no DF. Dildu entra a pé em uma avenida estreita e se depara com a extensa carreata de campanha da então candidata presidencial Dilma Rouseff. De costas, ele é o plano (seu piloto). A carreata da futura presidente é o contraplano, embora, rigorosamente, esteja no mesmo plano. Dildu é um personagem ficcional em um filme com segmento assumidamente documental, um quixotesco faxineiro cujas folgas são pontuadas por panfletagens nas ruas da Ceilândia. Ele é cunhado de uma cantora, Nanci, que, provocada pelo diretor Adirley Queirós, resgata o passado de criação da Ceilândia, no começo dos anos 1970, regime militar, e fala da higienização da pobreza do plano piloto nas proximidades dos símbolos e habitações dos poderes institucionais. Pela ficção, A cidade é uma só? coloca o candidato distrital como possibilidade de reação sem chance de ganhar a eleição. Se o filme terminasse nos planos de Dildu solitário no contrafluxo de uma grande carreata com a ausente Dilma, o quixotismo cairia na distopia. Se terminasse no plano seguinte, com ele colocando a luva para trabalhar como faxineiro, predominaria a continuidade com imobilidade. No entanto, depois e apesar destas situações, Dildu se movimenta. Continua a entregar panfletos de porta em porta em uma rua vazia e aparece pela última vez de costas, em movimento, cantando baixinho, sem nenhuma aparência de desistência de seu projeto utópico. O processo político continua mesmo sem chances de vitória. A política está na participação insistente. Esse personagem político popular, ao contrário da tradição de personagens politizados no cinema brasileiro, está longe do perfil dos personagens que, fora da vivência popular, usam suas consciências para agir em nome do povo. Pensemos nos personagens de Barravento (Glauber Rocha, 1960), Os fuzis (Ruy Guerra), O desafio (Paulo César Saraceni, 1965), Terra em transe (Glauber Rocha), O bravo guerreiro (Gustavo Dahl), Vida provisória (Mauricio Gomes Leite, 1969). São raros os filmes brasileiros protagonizados por personagens populares politicamente mobilizados e com algum nível de consciência. Ou precisam da luz de alguém de classe média ou estão destituidos de suas identidades sociais, como expressam os personagens de José Dumont em " homem que virou suco (João Batista de Andrade) e O baiano fantasma (Denoy de Oliveira). Dildu não tem movimento ou organizações sociais a apoiá-lo, não tem movimento a apoiá-lo, sequer tem alvos tão específicos como um patrão ou uma empresa. Ele está a favor sem ter um opositor com nome próprio ou circunscrito, o inimigo é mais amplo e disperso, assim como está disperso seus possíveis apoiadores. Não existe o povo, como dizia Deleuze sobre Glauber Rocha, mas somente um exército de um idealista só, acompanhado por pessoas de sua própria família. No ambiente dos filmes com ou sobre questões do presente, com lado político denunciador de estratégias do Estado ou da elite da sociedade, não há filmes ou personagens sequer próximos de Dildu. Também Adirley, como diretor, não é também diretor da elite, mas do mundo de Dildo. É da Ceilândia, não do plano piloto, e não apenas geográfica e socialmente. Dildo é da periferia ideológica e política, embora uma periferia de ação clássica, isolada em uma só pessoa, mas organizada em partido político e pelos caminhos da eleição, não apenas de movimentos culturais de conscientização rebelde, como o rap.
É um personagem da democracia representativa, do jogo oficial no qual está posto à margem, por isso menos subversivo que outros personagens politizado. |
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Bibliografia | BERNARDET. Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema. Paz e Terra, São Paulo, 1978.
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