ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Perdura a imagética de Mario Carneiro em Di Cavalcanti Di Glauber? |
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Autor | Miguel Freire |
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Resumo Expandido | A leitura crítica recai sobre a permanência estética no cinema brasileiro da imagética foto-cinematográfica legada por Mario Carneiro no curta de Glauber Rocha Di Cavalcanti. Filmado em 1976 foi ganhador do Prêmio Especial do Júri no XXX Festival de Cannes, em 1977. O documentário celebra o pintor modernista Di Cavalcanti em alegórica cobertura de seu velório no Museu de Arte Moderna e sepultamento no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.
O inusitado tratamento formal dado a temática morte por Glauber Rocha e Mario Carneiro é analisada no texto com suporte do pensamento de Phillipe Ariès e Norbert Elias em seus ensaios A História da Morte no Ocidente e A Solidão dos Moribundos. A fratura estilística e cultural que a muitos surpreendeu e a outros chocou encontra abrigo nas assertivas: “A morte romântica, retórica, é antes de tudo a morte do outro” (ARIÈS, 1977, p. 41) e “Os outros morrem eu não” (ELIAS, 2001, p.7). Para ARIÈS (1977, p. 41 e passim) a afirmação que a morte é sempre do outro decorre das reflexões e tentativas de compreensão da morte, que somente são possíveis em relação à morte de outro sujeito, uma vez que, por ocasião da nossa própria morte, não somos mais agente ativo na cena. Para ELIAS (2001, p.7 e 98) “a morte é um problema dos vivos, os mortos não têm problemas.” Sobre os moribundos na sociedade ocidental contemporânea diz que as pessoas morrem solitárias, subjugadas pelo higienismo e envoltas em ensurdecedor silêncio. A metáfora barthiniana na qual a fotografia atua presentificando o passado, expondo o “retorno do morto” (BARTHES 1984, p.20) parece ter inspirado Glauber Rocha. Para celebrar Di Cavalcanti com imagens de sua morte, o diretor cinemanovista comanda: “1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12...corta. Agora dá um close na cara dele.” O plano não traz o pintor de volta ao mundo dos vivos, porém, no celulóide gravado por Mario Carneiro fica perpetuada sua trajetória artística, seu pensamento humanista e sua afeição pelos desprotegidos de riqueza material e socialmente excluídos por razões étnicas. Para a permanência da imagem artística e humana de Di Cavalcanti uma simples documentação cinematográfica bastaria. O diferencial que é inoculado na memória coletiva pelo curta glauberiano reside, primordialmente, na inventividade da narrativa, na inovação da linguagem cinematográfica dentro da obra fílmica. Como um dos inúmeros questionamentos que o filme propõe cabe perguntar: por quê o diretor de fotografia, sendo ele pintor, gravador e arquiteto, dominante das regras fotográficas da sensitometria e da colorimetria, sacou da câmera o filtro nº85 em direta desobediência às recomendações técnicas do fabricante da emulsão? O filtro nº 85, em gelatina ou cristal âmbar, é utilizado para transformar a temperatura da luz incidente de 5500º kelvin (daylight) para 3200K (tungsten), corrigindo, assim, a tonalidade das cores de acordo com o balanceamento do negativo determinado pelo fabricante. Pela data da filmagem acreditamos que o negativo usado foi o Eastman Color 5247 da Kodak, emulsão de sensibilidade 125/80 ASA, balanceada para 3200K. Mario Carneiro, em entrevista concedida ao autor em 12/10/2004 relatou como convenceu Glauber Rocha da quebra dos padrões técnico e estético que causaria com a retirada do filtro de correção de temperatura de cor. Filmando com luz natural (daylight) o resultado da ausência do filtro nº85 introduziria uma tonalidade arroxeada no matiz do fotograma de tal forma que o aproximaria da cor macilenta que domina o rosto dos mortos. Mario disse que Glauber adorou essa idéia. A câmera na mão que trabalha em movimentos similares ao pincel de Di Cavalcanti, apontada, entre outros autores, por Tetê Mattos em seu ensaio A imaginação cinematográfica em Di-Glauber MATTOS in TEXEIRA (2004, p.174), é outro exemplo das fraturas estilísticas usadas em profusão por Glauber Rocha e Mario Carneiro em Di Cavalcanti Di Glauber, sobre as quais o texto se debruça. |
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Bibliografia | ARIÈS, Philippe. História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.
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