ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Música e vozes em Pickpocket (1959), de Robert Bresson |
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Autor | Luíza Beatriz Amorim Melo Alvim |
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Resumo Expandido | Em Pickpocket (Robert Bresson,1959), os trechos de música extradiegética - provenientes da suíte n.7 em sol menor de Jean-Baptiste Lully (rearranjada por Fernand Oubradous) -, além de possuírem aspectos formais relevantes como um todo, estão intimamente associados à voz over, considerada por Miranda (2008) como uma inserção musical neste filme. Bresson já havia adotado tal procedimento em Um condenado à morte escapou (1956), porém, em Pickpocket, acrescenta uma relação também com a voz in dos diálogos: é ela que desencadeia quase todos os trechos de música.
Compositor de Luís XIV, Lully foi o criador da ópera francesa. Os extratos de sua suíte (peça musical constituída por uma série de danças), presentes em Pickpocket, são retirados da introdução (dividida numa parte lenta e outra mais viva) e da passacaille (uma das danças, de andamento relativamente rápido), sendo distribuídos ao longo do filme, segundo Jardonnet e Chabrol (2005), de maneira semelhante à estrutura tripartita lento-rápido-lento da abertura francesa de ópera. Quase sempre a música irrompe ao final de algum diálogo bruscamente interrompido, momentos em que o protagonista Michel, um jovem estudante convertido em batedor de carteiras, desloca-se no espaço. São, portanto, situações de movimento, função pretendida pelo próprio Bresson (em entrevista a Weyergans, 1965) para a música neste filme. Assemelham-se também a um dos significados do divertimento barroco de Lully: canções, coros e danças que formavam uma cena separada na ópera e produziam uma quebra na ação. A associação com o movimento da dança é evidente na famosa sequência do ballet das mãos, em que, com a frase “Venha ver”, o comparsa mais experiente convida Michel e o espectador a assistirem a uma performance (há mesmo um silenciamento da banda sonora antes do início da música), momento em que o protagonista aprende os truques do métier. Por outro lado, os diálogos são travados como batalhas por Michel, tendo como oponentes o amigo Jacques, Jeanne, moça por quem se apaixona, e o delegado que o investiga. Daí a importância de suas últimas frases, após as quais ouvimos a música, e que revelam sentimentos distintos de Michel. Geralmente, ele corta os diálogos com Jacques de forma súbita e autoritária, é evasivo com Jeanne, mas, diante do delegado, um adversário mais forte, deixa-se tomar pela raiva. Quanto à música, trechos de estrutura semelhante da passacaille são associados ora à Jeanne e a sua tentativa de tirar Michel do caminho do crime, ora à tentação do roubo, representando o conflito de sentimentos do protagonista. No caso da voz over, observamos que, em quatro momentos (todos com música), ela se associa à imagem do diário escrito pelo protagonista. Em relação a Diário de um padre (1951), filme em que Bresson também lançava mão desse expediente, Bazin (1991) notava que a voz não seria uma simples redundância com o visível, mas sim o multiplicaria. Consideraremos, então, as defasagens entre o que é dito pela voz over e o que está sendo (ou já) escrito no diário, além daquelas entre a ação descrita pela voz e a mostrada na imagem. No entanto, em Pickpocket, tais defasagens parecem menos importantes que em Diário de um padre e Um condenado à morte escapou, sendo mais relevantes as relações entre vozes in e over, intermediadas pela música. Por exemplo, a voz in de Michel diz, às vezes, o contrário do que ele faz a seguir, enquanto ouvimos a música e sua voz over: “sim” quando quer dizer “não” e vice-versa (DAHAN, 2004) - momentos que mostram também uma simetria (aspecto muito importante na música) entre si. Mais ainda, numa permeabilidade entre espaços extradiegético e diegético (semelhante ao analisado quanto à música por Stilwell, 2007), é uma sugestão indireta de Jeanne (sua pergunta: “o senhor vai partir?”) que leva ao comentário over do protagonista considerando a possibilidade, desencadeia a resposta “não” e, logo a seguir, a música e a fuga do protagonista. |
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Bibliografia | BAZIN, André. O Cinema: Ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.
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