ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Cinema e Pintura: narratividade e temporalidade em O Moinho e a Cruz |
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Autor | NINA VELASCO E CRUZ |
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Resumo Expandido | O artigo pretende analisar o filme "O Moinho e a Cruz" (2011) de Lech Majewski para refletir sobre a relação entre Cinema e a Pintura, principalmente no que diz respeito à temporalidade da imagem e à narratividade. O filme recria o cotidiano dos flamencos durante a ocupação espanhola de Flanders no século XVI, tendo como ponto de partida o quadro Procissão para o Calvário (1564) do pintor Pieter Bruegel. Se no quadro original encontramos uma diversidade de cenas simultâneas ordenadas cuidadosamente de maneira a produzir uma narrativa alegórica criada pelos símbolos cristãos cuidadosamente compostos pelo pintor, o filme trata de desconstruir a cena, figurando o tempo lento dos acontecimentos sob o olhar e o discurso ordenador de Bruegel, personagem central da narrativa. O quadro ganha o movimento impossível para a pintura e o filme só se concretiza quando o quadro se encontra finalmente completo na tela.
O Cinema e Pintura possuem especificidades e semelhanças que ajudaram a definir seus campos de atuação e parte de seus discursos ontológicos. No entanto, nos interessa fugir a tais concepções essencialistas e buscar nas próprias imagens o que elas tem a nos dizer. A presença da narratividade na Pintura se apresenta de maneira heterogênea ao longo de sua história. No momento do surgimento do Cinema, a pintura praticamente havia abandonado essa pretensão. O cinema, por sua vez, logo após seus primeiros anos abraça a narrativa como sua principal vocação. As experiências de vanguarda como o abstracionismo no cinema foram profícuas, porém limitadas temporalmente. No entanto, outros elementos, como a representação do tridimensional em um plano bidimensional e a construção de uma composição pensada dentro de um quadro, são comuns ao cinema e a pintura. A questão do enquadramento aparece no famoso ensaio de André Bazin sobre o filme Van Gogh, de Alain Resnais, como sendo a chave para diferenciar a representação pictórica da cinematográfica. A relação do que está em quadro com o extra-campo seria oposta nessas duas linguagens. Enquanto o quadro pictórico seria orientado "para o lado de dentro" (BAZIN, 1991, p.173), criando uma força centrípeta, o cinema criaria forças centrífugas com o que não está em quadro, dialogando sempre com o fora-de-campo. Jacques Aumont, no entanto, faz uma releitura desse argumento colocando o enquadramento justamente como uma "filiação subterrânea e essencial" entre o cinema e a pintura. Para o autor, o que marcaria a diferença entre o cinema e a pintura seria justamente a temporalidade da narrativa. Por mais que a pintura tenha almejado representar uma narrativa que se desenrola no tempo, a imobilidade constitui um limite intransponível da pintura. “Narrativa ou menos narrativa, é toda a pintura que se choca com esse intransponível: figurar o tempo” (AUMONT, 2004: 81). Para que um quadro represente uma narrativa completa, ou terá que apresentar uma sequência de quadros, ou buscar a síntese do acontecimento em um instante único (o chamado “instante pregnante”) no qual a ação principal da narrativa se encontra condensada. De todo modo, a pintura “representa o tempo”, mas não o contém jamais (AUMONT, 2004: 83). A escolha do quadro de Bruegel como ponto de partida do filme se dá justamente por sua pretensão de superar essa suposta limitação da linguagem pictórica. Como afirma o personagem do pintor em um momento do filme, quando explica seus propósitos na construção do quadro: "Minha pintura tem que contar todas as histórias. Ela tem que ser grande o bastante para possuir tudo... Tudo, todas as pessoas, e deve ser uma centena delas... Eu vou trabalhar como a aranha que eu vi essa manhã." |
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Bibliografia | AUMONT, J. O olho interminável (cinema e pintura). São Paulo: Cosac & Naif, 2004.
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