ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Hamaca Paraguaya e a inscrição verdadeira |
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Autor | Bárbara Xavier França |
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Resumo Expandido | Hamaca Paraguaya (Paz Encina, 2006) começa com os primeiros sons do amanhecer, enquanto um casal de idosos surge ao fundo e vem se aproximando a passos lentos e cansados, procurando um lugar adequado para armar sua rede. Os dois se estabelecem no centro do quadro, distante o bastante para que possamos identificar seus rostos, porém perto demais da cadela que não para de latir. O lugar também não agrada por ser muito quente, por não estar na direção do vento, mas ainda assim é lá que a rede vai ficar, até o fim do filme, até a chegada da noite.
Aliás, o filme começa e termina com a escuridão, a do dia que pretende começar e a do dia que termina, como a cortina que se abre para o espetáculo teatral e aquela que o encerra. No entre, os planos. Seus poucos planos duram aparentemente o tempo mesmo que Cândida e Ramón demoram para realizar ações simples, cotidianas, banais, durando até o ponto de podermos dizer que não há ação no plano. O grande argumento do filme em questão é transferido para o âmbito sonoro que, em off, nos apresenta o motivo da melancolia do casal e da incessante espera. O filho partira para a guerra e, no aguardo por notícias, Cândida e Ramón reclamam dos latidos da cadela, da chuva que não cai, do calor, da posição da rede, bem como reflete sobre a morte, sobre a espera, como se buscassem ocupar o tempo, a mente, resistir à entrega, ter esperança. Segundo Galo Alfredo Torres (2012), essa escolha pela “desdramatização” é uma das características do que ele chama de Novíssimo Cinema Latino-americano, no qual inclui Hamaca Paraguaya. Para o autor, há filmes em que alguns fragmentos da história podem chegar ao congelamento da cena e até ao esvaziamento narrativo do plano para deixar o espectador apenas com o cenário. A câmera abandona a ação, dando lugar a uma imagem descritiva a ser contemplada. Recorrendo aos planos-sequência e “planos vazios”, imprime-se a esses filmes uma sensação de não passar nada, de uma lentidão contemplativa e descritiva. A novidade, no entanto, estaria na fuga do patético no quadro. Os grandes acontecimentos ou sentimentos podem estar antes, ao lado ou depois da imagem, perambulando ao redor, mas quando estão na iminência de tomar o quadro, é cortado. Como diz Torres, nos filmes do novíssimo cinema, o pathos é flutuante, fantasmagórico, porém insidioso. Em Hamaca Paraguaya não falamos precisamente em elisão pelo corte, mas da transposição dos acontecimentos dramáticos para o âmbito do comentário, restando em imagens o realismo dos cenários, dos seus personagens, mas também a representação, por parte dos atores, dos sentimentos, reações, em consonância com aquilo que ouvimos na trilha sonora. Dessa forma, o filme oferece vários desafios ao espectador no que tange às relações som-imagem, diegese e extra-campo, implicando reflexões acerca do ficcional e do documental a serviço de uma narrativa que trabalha com um passado histórico, mas realocando-o ou retrabalhando-o através de diversas camadas temporais. O tempo distendido, a duração para realizar ações cotidianas, a escolha por ambientes externos, o guarani falado pelos personagens, investem o filme de uma materialidade vívida. A flutuação das vozes no tempo e nos espaço, por sua vez, ficcionaliza essa realidade das imagens que, mais que contar a história de um casal de personagens camponeses, põe-se a serviço de uma verdade que é a de um povoado, de uma guerra e de um país. Sem pretender apontar elementos ficcionais ou documentários no filme, buscamos antes pensar as relações entre eles ou os desafios que eles nos impõe no trabalho de apreensão do filme. Se, conforme Torres (2012), pode-se falar em um Novíssimo Cinema, cujas características convidam a nomeá-lo de Neorrealismo Cotidiano, convocamos as discussões do cinema direto, da encenação teatral e cinematográfica e do realismo para pensar a “verdade”, como diria Comolli (2008), de Hamaca Paraguaya e sua relação com um contexto latino-americano. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. A herança do teatro: a encenação, o texto e o lugar. In:_____. O cinema e a encenação. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2008. pp.19-72.
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