ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Uma análise da mise en scène do autocomentário em Jaguar de Jean Rouch |
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Autor | Sandra Straccialano Coelho |
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Resumo Expandido | No final dos anos de 1940, Jean Rouch realizou sua primeira expedição na África, acompanhado por dois amigos, Jean Sauvy e Pierre Ponty (ROUCH, 2008). Nem etnógrafo e nem cineasta, nesse período – porém já em contato com ambas as práticas –, ele resolve adquirir uma câmera para registrar a expedição. Pouco conhecedor das técnicas do cinema, produziu uma série de registros durante a viagem que, com exceção das imagens de uma caça ao hipopótamo, não constituíram material adequado à montagem. Ainda assim, após exibir as imagens da caça no Musée de l'Homme, essas foram acolhidas com entusiasmo e Rouch acabou por ter o material comprado pela Actualités Françaises, produtora que foi responsável pela montagem, sonorização e distribuição do seu primeiro filme, Au pays des mages noirs (1947). O resultado final se mostrou desastroso, do ponto de vista etnográfico, tendo em vista a música que acompanhava as imagens, a inversão da lógica do ritual operada na montagem e o tom do comentário, realizado por um locutor profissional à moda das transmissões esportivas da época. Por diversas vezes, ao longo de sua carreira, Rouch irá relatar seu desconforto frente a essa primeira experiência, tendo inclusive improvisado um novo comentário para acompanhar as imagens de seu primeiro filme, o qual foi registrado por Dominique Dubosc no documentário Jean Rouch, premier film: 1947-1991 (1991).
O que se observa na carreira do cineasta, a partir de então, é o crescente controle de Rouch sobre as diferentes etapas da realização. Trabalhando, via de regra, com equipes reduzidas e com o apoio de centros de pesquisa, o cineasta não só costumava ser o responsável pela captação das imagens, como acompanhava todo processo de montagem, além de atuar como locutor na maioria dos comentários presentes em seus filmes. Para aqueles habituados à sua filmografia, evidencia-se o poder da palavra em seu cinema, seja pela entonação poética com que costumava narrar os rituais registrados, seja pela maneira como passou a palavra aos sujeitos filmados em Eu, um negro (1959) e Jaguar (1954-1967), ao registrar e incorporar nos filmes os comentários deles frente às imagens. O presente trabalho tem o objetivo de analisar os autocomentários dos “atores-personagens” filmados por Rouch com foco, em especial, na articulação desses autocomentários com as imagens e com a fala do próprio cineasta (tendo em vista o lugar central que tais articulações viriam a ter na consagração do realizador tanto no contexto da antropologia como no do cinema). Para tanto, analisarei uma sequência de Jaguar (1954-1967), em que ocorre o encontro dos três protagonistas com o povo Somba, orientada pela perspectiva de Claudine de France (1995), para quem o comentário – especialmente no cinema documentário – deve ser entendido e analisado enquanto estratégia de mise en scène que de certa forma rivaliza com as imagens. Analisando de que modo os autocomentários e as imagens se articulam nessa sequência, pretendo refletir sobre o modo pelo qual os personagens do filme – normalmente encarados como o "Outro" no contexto do cinema etnográfico –, acabam por ter esse papel invertido ao descobrirem, na sequência entre os Sombas, seu “Outro” africano. Gravitando entre os espaços dentro e fora das imagens (que se abrem em Jaguar por conta da pos-sincronização de seus comentários frente às imagens), os personagens têm, por esse artifício, suas posições multiplicadas no interior do filme. Em outras palavras, essa multiplicidade e consequente possibilidade de inversão de papéis se vê operada na matéria fílmica pela utilização dos autocomentários enquanto estratégia central da mise en scène - uma estratégia que será determinante para a condução do olhar e apreensão da narrativa de Jaguar pelo espectador do filme. |
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Bibliografia | COLLEYN, Jean-Paul(org). Jean Rouch: cinéma et anthropologie. Paris: Cahiers du Cinéma, 2009.
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