ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Dispositivo, arquivo e crítica social em Doméstica |
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Autor | Claudio Roberto de Araujo Bezerra |
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Resumo Expandido | Embora não seja exatamente uma novidade, pois algumas experiências do cinema direto dos anos 1960 já produziam acontecimentos específicos para a realização de um documentário, o uso de dispositivos de filmagem tornou-se uma prática recorrente e uma das principais características do documentário contemporâneo. Parcela considerável da produção brasileira recente pode ser considerada filme-dispositivo, seja de documentaristas veteranos, como Eduardo Coutinho e João Salles, ou da nova geração, a exemplo dos pernambucanos Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso.
Não há um modo global de operação dos dispositivos documentais. Eles são criados e empregados de modo diverso a cada filme em função de necessidades e/ou concepções artísticas dos realizadores. Como observa Consuelo Lins (2007, p.47), uma estudiosa do filme-dispositivo no Brasil, em Coutinho, por exemplo, o dispositivo é relacional, “uma máquina que provoca e permite filmar encontros”, já em João Salles, Sandra Kogut e Kiko Goifman é uma dimensão temporal, enquanto que nos documentários experimentais de Cao Guimarães o dispositivo tem um caráter mais de um jogo lúdico e poético. Mas ainda que os dispositivos sejam diversos, em termos conceituais é possível apontar algumas características gerais do que vem a ser o dispositivo assim como alguns dos efeitos de sentido comumente associados a esse tipo de filme. Pode-se dizer que a noção de dispositivo envolve um procedimento indutor, no sentido de estimular ou provocar o surgimento de situações, imagens, comportamentos, falas, sensações e percepções inexistentes antes da ativação dele. A força do dispositivo está, portanto, no aleatório e contingente, naquilo que é imponderável e surge somente a partir de sua ativação. Trabalha-se, para usar uma expressão cara a Comolli (2008), “sob o risco do real”, e uma das possibilidades do dispositivo é de não gerar filme. Como não reproduzem uma realidade social já existente, um dos efeitos de sentido comumente associado aos documentários que operam a partir de um dispositivo é o da impossibilidade de revelar algo para além da subjetividade das pessoas envolvidas em uma situação específica. “O acontecimento produzido via dispositivo não explica o passado – nem das pessoas, nem dos personagens, nem dos lugares – nem dá pistas para o futuro”, a afirmação de Migliorin (2005), em artigo sobre Rua de Mão Dupla, de Cao Guimarães aponta a situação provisória do presente como característica dos documentários feitos com o uso de dispositivos. A partir de Doméstica (2012), de Gabriel Mascaro, este trabalho pretende mostrar que o dispositivo pode ser usado também para a crítica social, ou seja, como uma estratégia deliberada para capturar o sentido oculto de fenômenos sociais brasileiros que se arrastam por séculos. Em Doméstica, mais do que revelar as subjetividades de patrões e empregados, o dispositivo de entregar a câmera para jovens filmarem durante uma semana a empregada da casa deles expõe o quanto somos ainda uma sociedade autoritária, preconceituosa e atravessada por um ranço escravocrata. Em outras palavras, o dispositivo é uma maquinaria que, tal como um espelho, reflete e refrata um traço cultural arcaico do Brasil moderno. Pretende-se ainda mostrar que apesar do filme-dispositivo privilegiar como estratégia narrativa o momento da filmagem, a montagem continua sendo primordial para a construção do sentido do documentário e da visão do documentarista acerca do material bruto e do tema abordado. É no modo como Gabriel Mascaro seleciona e combina imagens, situações, silêncios, depoimentos, diálogos, arquivos etc. que a crítica social é construída em Doméstica. |
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Bibliografia | BOURDEIU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
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