ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Medvedkine lido por Chris Marker (uma história profana do cinema) |
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Autor | Nicolau Bruno de Almeida Leonel |
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Resumo Expandido | Em seu filme Le tombeau d’Alexandre (1994), Chris Marker pincela um retrato afetivo de Alexandre Ivanovich Medvedkine(1900-1989), cineasta criador do cine-trem revolucionário que atravessava a Rússia filmando e projetando junto ao povo. Através de cartas, depoimentos, textos, trechos de filmes, arquivos, comentários constrói o mosaico de uma geração, um labirinto de espelhos entre arte e política que registra os pontos cegos e desmistifica uma versão seletiva da História da arte. A narrativa, insinuada e intimista, torna-se como diz J. Rancière: “homenagem artística a um artista”. Chris nomeia a geração revolucionária soviética como aquela que “inventou a arte moderna”, “portadora da cultura do passado e da impaciência do futuro”. Fixa assim, um “buraco negro” da História da arte moderna, uma origem bastarda da história das vanguardas européias.
Suponhamos a hipótese de que a tumba medvedkineana é uma vertiginosa incógnita dirigida a profanar toda uma concepção "reader’s digest" da história da arte. Como diz P. Bürger, quando a historiografia contemporânea trabalha a teoria das vanguardas tende a obscurecer sua recusa da passagem automática da arte ao estatuto de mercadoria ou de instituição cultural, retira sua resistência à modernidade. A fragmentação panorâmica reduz o processo à categoria de um evento, atrofiando-lhe o sentido histórico. Isola e suprime seus processos antecedentes e ulteriores, e abstrai as aporias em nome de uma história linear. O cinema soviético, nestas leituras, é visto como um berço inconveniente da História do cinema, um intervalo passageiro, um pesadelo a ser exorcizado. Minha hipótese é de que nos aproximamos do filme Le tombeau d’Alexandre, quando o concebemos como um tratado poético cinematográfico sobre a profanação da História institucional do cinema. Quando observamos como o filme busca restituir ao uso comum dos espectadores a crítica dos dispositivos de esquecimento contidos nas próprias imagens ou narrativas. Um exemplo é o uso concertado no olhar das estátuas e monumentos apresentados como um universo de signos, como ruína de uma história decaída. Mas também de uma história inventada, reescrita todo instante. Outros exemplos aparecem no uso das imagens de arquivo. Por exemplo: no tricentenário da dinastia Romanov, na procissão dos dignatários da nobreza o pequeno homem gordo que exige que o povo tire o chapéu para aristocracia. Ou na censura, com o corte no quadro de um evento comemorativo durante o stalinismo, filmado por D. Vertov. Ou o bispo de Kiev que reza uma missa de Páscoa enquanto se pergunta a paróquia sobre sua colaboração com a repressão da KGB. Exemplos do uso concertado das imagens que revelam lapsos escondidos na memória não imediatamente acessível dos arquivos. Um uso que catalisa o potencial crítico da imagem. Um uso auto-reflexivo da imagem histórica como crítica da própria imagem, como possibilidade de nova leitura. O anátema da origem bastarda das vanguardas históricas russas reúne dupla excomunhão – experimental e militante. Excomungados pelo bolchevismo totalitário pelas correspondências com o debate do formalismo artístico, mas também excomungados pela História (seletiva) da Arte por sua utopia político militante. Como aponta Marker, o estudo da arte revolucionária demonstra o contrário da vulgata redutora de uma oposição entre “talento e ideologia”. A oscilação do debate sobre a especificidade artística de cada linguagem, da rebelião das palavras (formalista e futurista) para a autoconsciência e transparência do processo de produção e para a função social da arte, (no debate do produtivismo ou do construtivismo), configura uma origem soterrada do cinema russo. A poética futurista e o cinema soviético coincidem – se associam e se correspondem – apontam a quebra da antinomia entre estética e política. E de várias formas apresentam o campo de pesquisa de uma origem esquecida tanto do debate sobre o cinema ensaio, como sobre o documentário ou sobre cinema militante. |
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Bibliografia | AGAMBEN, G. Profanações. São Paulo: Boitempo Editorial, 2010.
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