ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Dimensões culturais dos crimes e contravenções em El automovil gris |
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Autor | Maurício de Bragança |
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Resumo Expandido | Muito já se falou do cinema como um importante índice da vida moderna, instaurando novas práticas sociais e novos estatutos de espetacularidade narrativa no interior da indústria do lazer. No início do século passado, os jornais anunciavam, em suas crônicas da cidade, uma nova sociabilidade moderna na prática de frequentar as sessões de cinema. Ir ao cinema expressava um ato social significativo de novos comportamentos e de uma nova postura de vida. Em contextos como a América Latina, essa prática poderia indicar uma tentativa de superação de uma mentalidade colonial através da adoção do cinema como hábito cotidiano.
Essa relação entre primeiro cinema e cotidianeidade se expressa, em parte, num importante registro das primeiras décadas do cinematógrafo: os filmes relacionados aos crimes. Muitos dos acontecimentos recorrentes das páginas policiais dos jornais acabavam transformando-se em narrativas cinematográficas, sustentadas pelo imaginário espetacularizado desses crimes junto ao grande público. Este tipo de narrativa, na qual se misturam o documental e o ficcional, é recorrente na cinematografia silenciosa latino-americana. Aqui poderíamos pensar, inclusive, numa primeira espécie de adaptação, através do gesto de traduzir estas crônicas jornalísticas para as imagens do cinema. Este movimento esboça, numa interpretação particular, uma aproximação entre cinema e literatura jornalística. Vários foram os crimes transferidos das páginas dos jornais para as telas do cinema brasileiro. Desde Os estranguladores, de Antônio Leal (1908) até as várias versões de alguns “crimes da mala”, os assassinatos e delitos famosos que mobilizaram o interesse do público acabaram ganhando versões cinematográficas. Em outros países latino-americanos não foi diferente. No cinema mexicano, El automovil gris é considerado pela crítica como um dos mais importantes filmes do período silente. Dirigido em 1919 por Enrique Rosas, inspirado numa espécie de cinema-verdade daquela década turbulenta, o filme apresenta uma versão do famoso grupo de bandidos que, em 1915 aterrorizou a Cidade do México cometendo inúmeros assaltos e roubos. Assim, podemos ver um interessante viés de adaptação cinematográfica na América Latina pautado nessa transposição do fait divers das crônicas policiais para as narrativas cinematográficas. Além disso, podemos perceber o quanto essas narrativas cinematográficas, ligadas ao mundo do crime e à espetacularização dos atos de contravenção criavam um forte imaginário coletivo alimentado pelo circuito midiático. Assim, podemos pensar que a forma como esses crimes eram narrados pelas mídias apresenta uma dimensão cultural capaz de revelar importantes aspectos relacionados à sociabilidade que emergia no seio de uma modernidade periférica latino-americana (SARLO, 2010), assim como alimenta uma cultura do medo capaz de legitimar também o aparelho repressivo organizado sob os parâmetros do controle desenvolvidos pelas instituições modernas. Nessas narrativas o sensacionalismo ligado à linguagem do melodrama tinha um papel fundamental, como forma de mobilizar processos de adesão e identificação coletivas, bem como dimensionar experiências sensoriais que atuavam naquilo que Mariana Baltar (2012) identifica como “pedagogia das sensações”. Tais narrativas, como a do filme mexicano em questão, promoviam a catarse coletiva necessária, atuando através de uma espécie de espetáculo do frisson e do medo, ao mesmo tempo em que, de forma moralizante, enquadravam os delitos e as transgressões num projeto de aderência daquela sociedade a um modelo de modernidade possível. Tais questões estarão presentes na análise que propomos da famosa versão cinematográfica dos crimes da quadrilha de bandidos mexicanos, mostrando que a própria linguagem cinematográfica, e seus recursos estilísticos e discursivos, também se colocava em consonância com os sentidos culturais que perpassavam tais narrativas. |
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Bibliografia | ASTORGA, Luis. Notas críticas. Corridos de traficantes y censura. Región y sociedad, vol. XVII, no. 32, 2005.
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