ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Raça, imaginação nacional e intelectuais negros no cinema brasileiro |
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Autor | Pedro Vinicius Asterito Lapera |
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Resumo Expandido | Sendo uma das formas privilegiadas de projetar uma comunidade nacional, os contatos culturais são o fio condutor de inúmeras narrativas populares difundidas através dos produtos das culturas erudita, popular e massiva. No caso brasileiro, o mito das três raças (DaMatta, 1988) e a doutrina do luso-tropicalismo foram, ao longo da primeira metade do século XX, as duas narrativas que legitimaram uma visão gregária das relações raciais.
Por meio de ideólogos como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda e da eleição de cânones da literatura do século XIX, elegeram-se como protagonistas do encontro fundador da nação os homens brancos e as mulheres índias e negras, obliterando seu aspecto de dominação. Além disso, o apagamento dos homens índios e negros e das mulheres brancas na produção de uma retórica erótica (Sommer, 2004) seria mais um índice revelador dessa mestiçagem a ser difundida por esse regime. Todavia, essa visão a respeito da mestiçagem e, por consequência, da sexualidade fundadora de uma imaginação nacional brasileira não subsistiria nas décadas seguintes sem ataques frontais, que trouxeram à cena seus polos preteridos. Em se tratando do campo do cinema brasileiro, algumas experiências fílmicas na década de 1970 contestaram as narrativas dominantes em torno das relações raciais. Nessa década, houve a realização de alguns filmes por diretores negros, além de outras experiências que destacaram os negros como agentes intelectuais integrantes do campo do cinema brasileiro. Partindo de reflexões presentes no livro Brancos e Negros em São Paulo, de Roger Bastide e Florestan Fernandes, Compasso de Espera focalizou a trajetória de Jorge de Oliveira (Zózimo Bulbul) e suas angústias de pensar uma sociedade que tornava o negro invisível socialmente, somando a isso suas relações amorosas conturbadas com mulheres brancas. A recepção do filme foi bastante prejudicada por uma longa censura e também pela percepção dos exibidores de que não se tratava de uma película cujo tema poderia ser comercialmente explorado. Mesmo assim, Compasso de Espera revelou-se fundamental para a carreira do então ator Zózimo Bulbul, conforme demonstrou a pesquisa de Noel Carvalho (2006), seja como inspiração para suas futuras experiências como diretor, seja como o reconhecimento de sua atividade intelectual. As Aventuras Amorosas de um Padeiro (1976), dirigido por Waldir Onofre, narra a trajetória da jovem suburbana branca Ritinha (Maria do Rosário) que, recém-casada porém infeliz ao lado do marido (Ivan Setta), envolve-se amorosamente primeiro com Seu Marques, um padeiro português (Paulo Cesar Peréio) e depois com Saul, um artista negro (Haroldo de Oliveira), não sem antes imaginar uma relação com o operário Tião (interpretado pelo próprio Onofre). Outro ator negro também efetuaria sua passagem para a direção cinematográfica nos anos 1970. Com Na Boca do Mundo (1978), Antônio Pitanga apresentou um projeto pensado ao longo de mais de vinte anos de sua carreira de ator, que conseguiu o amparo estatal da EMBRAFILME. O argumento do filme é constituído a partir de um melodrama racial: um triângulo amoroso formado pelo jovem frentista Antônio (Pitanga), por Terezinha (papel que lançou a atriz Sibele Rúbia) e por Maria Teresa (Norma Bengell), uma grã-fina branca desiludida amorosamente. A crítica mostrou-se desdenhosa com a obra, alegando que, por ser a primeira direção de Pitanga, sua inexperiência o tinha conduzido a erros de narração e de composição de personagens. No entanto, reconheceu no filme a encenação de estigmas de origem étnico-racial, sobretudo a partir da personagem interpretada por Pitanga. Dois aspectos em comum entre esses filmes interessam para nossa argumentação: a presença de intelectuais negros atuantes no campo do cinema brasileiro na interpretação e/ou na direção destes e uma narrativa que contesta o ideal de mestiçagem, invertendo seus polos e ressaltando seus conflitos potenciais. |
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Bibliografia | BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Zouk, 2007.
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