ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Real sex, real lifes – excesso, desejo e as promessas do real |
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Autor | Mariana Baltar |
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Resumo Expandido | Este artigo reflete sobre os diálogos possíveis entre o documentário e a pornografia partindo da ideia de mobilização de desejos e saberes presentes em ambos os domínios. Nesse sentido, trabalharei com a noção de excesso como mobilizador de um desejo de saber e de ver que se articula na série Real People, Real Life, Real Sex do realizador Tony Comstock. Os filmes alternam as tradições do documentário (estabelecida em entrevistas) e da pornografia (nas performances sexuais voltadas para uma câmera intimamente observativa) numa promessa de apresentação ao olhar público da vida e do sexo dos outros.
A série de sete filmes de Tony Comstock é um objeto profícuo para refletir sobre as correlações entre o documentário e a pornografia. Cada filme, de cerca de 50 minutos, articula-se tanto como um documentário de personagens quanto como um pornovídeo. Em cada um deles, um casal se apresenta para as câmeras: em entrevistas – em um quadro que explora os afetos de uma intimidade do rosto - e em performances sexuais – dadas a ver com uma câmera extremamente aproximada, háptica, que é capaz de explorar o que quero identificar como a intimidade do corpo. Ao longo dos filmes, as performances pornográficas são como inserts de excesso que sustentam e reiteram as “promessas de real” presentes nas falas dos personagens. Os filmes de Tony Comstock oferecem um panorama de casais possíveis, apresentando um mosaico das vivências sexuais contemporâneas. O primeiro filme da série – Marie and Jack: A Hardcore Love Story (2002) – mostra as intimidades de um casal heterossexual em que ambos são profissionais da indústria pornográfica. No último – Bill & Desiree: Love is Timeless (2008) – o documentário pornográfico centra-se na vida íntima-sexual de um casal idoso. Os diálogos entre os domínios do documentário e da pornografia não são novidade e nem se iniciam a partir da série de documentários pornográficos de Tony Comstock. Pretendo pensar, a partir desses filmes, o papel da intimidade (do rosto/fala e do corpo/ato) como modo de afeto e de excesso que mobiliza o desejo de ver/saber sobre o outro. Amparada em autores como Linda Williams, Walter Kendrick e Bill Nichols, entre outros, procuro abordar os discursos sobre o universo sexual em ação como incitação de curiosidades, de desejos e, claro, de saberes sobre o outro. Nesse sentido, percebe-se que nas tradições dos domínios do documentário e da pornografia, o princípio da máxima visibilidade (catalisado pelo que Williams chama de frenesi do visível) é central para garantir o estatuto de real e com ele parte da eficácia da experiência estética, pautada nas afetações do corpo para o corpo. Experiências que são de naturezas claramente distintas em cada um dos domínios, embora não totalmente opostas como argumenta Bill Nichols (1999) mostrando como ambos se organizam em torno do lastro da evidência para satisfazer, em última instância, o universo do desejo: sexual de um lado, desejo de conhecimento do outro. É fato que ambas as tradições recuperam um principio caro ao projeto da modernidade: o vinculo quase atávico entre dar a ver (ou seja, a visibilidade) e a evidência, fazendo desta um signo de verdade/realidade. Nesse sentido, tanto documentário quanto pornografia gravitam em torno da noção – e dos modos de sustentar tal noção – de que ao dar a ver a verdade, corpórea, do sujeito, dá-se a ver o sujeito naquilo que lhe mais próprio: seu sexo, sua vida. Os filmes de Comstock articulam dois modos distintos e intensos de sustentar tal prazer de dar a ver: 1) closes no rosto, em seu ato de falar para a câmera a verdade/intimidade de si, e 2) closes em partes dos corpos em ação performando, como atrações, seus modos de expressar outra ordem da intimidade de si; a intimidade corporea que se sustenta na relação corpo-câmera. Argumento que tal jogo entre duas intimidades se estabelece a partir do excesso, onde uma reitera a outra e ambas cumprem o desejo e a promessa de dar a ver o real do outro. |
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Bibliografia | ABREU, N.C. O olhar pornô: a representação do obsceno no cinema e no vídeo. Campinas: Mercado das letras, 1996.
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