ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Os diferentes sentidos de memória nos documentários brasileiros |
|
Autor | Cristiane Freitas Gutfreind |
|
Resumo Expandido | Nesse trabalho pretendemos refletir sobre os diferentes sentidos de memória encontrados nos documentários contemporâneos sobre a ditadura militar brasileira. Para isso, analisaremos como é apresentado nos filmes figuras historiográficas como o monumental e o documental. O conceito de figura é um recurso analítico fluído e maleável que diz respeito ao sensível oriundo da lógica visual que vem de dentro da própria imagem. As figuras aqui em questão são entendidas no sentido dado por Jacques Rancière em Figures de l´histoire (2012), em que o documental é definido pelos traços da história armazenados de forma intencional para oficializar uma memória. Ao contrário, o monumental parte de traços que não foram escolhidos com o objetivo de construir a memória pois guardam a memória em si, instrui os homens sem intenção de fazê-lo e se preocupam com o presente. O cinema, pela sua vocação em possibilitar múltiplas significâncias, consegue dar conta de ambas figuras históricas, particularmente através do documentário, pois pela sua apresentação do “real”, pode enquadrar variadas combinações do intencional e do não intencional, logo das transformações do documento em monumento e vice-versa, ou seja, o documentário, segundo Rancière, “opera a conversão do significante em insignificante e do insignificante em significante”.
No entanto, mesmo considerando a ambiguidade que faz parte da ontologia das imagens e destacando que análises dicotômicas são sempre questionáveis, assista-se nos documentários recentes que abordam os movimentos de resistência uma produção que a partir do ponto de vista do militante ressalta uma dimensão figurativa em detrimento de outra, ou seja, há filmes identificados com a figura documental em contraponto a outros que se utilizam de uma estética que dá maior visibilidade ao monumental. De um lado, Marighella – retrato falado do guerrilheiro (Silvio Tendler, 2001), Hércules 56 (Silvio Da-Rin, 2006) ou O dia que durou 21 anos (Camilo Tavares, 2012) levam para tela a dimensão documental através do uso de imagens de arquivo que comprovam fatos, testemunhos informativos e a escolha por uma decupagem clássica que esvazia a crítica, pois o poder é apresentado de forma onipresente vindo de uma única instância. Assim, Silvio Tendler opta por uma homenagem destacando o caráter heroico do seu personagem; em Hércules 56 mesmo com algumas imagens de arquivo inéditas e as entrevistas propostas de forma coletiva, o filme reforça a construção da memória sem contextualização dos fatos e, Camilo Tavares, retrata a participação dos americanos no jogo do poder. De outro lado, Cidadão Boilesen (Chaim Litewski, 2009), Diário de uma busca (Flávia Castro, 2010) ou Marighella (Isa Grinspum Ferraz, 2011) tornam o monumental visível como meio de produção de sentido e afetos, destacando a busca por um processo sobre o real. Assim, o que é valorizado em termos estéticos é a análise dessa busca, possibilitando ao espectador usufruir dos seus meios para efetuar a compreensão do real. Essas imagens permitem, então, entender o sentido presente e atemporal dos testemunhos. Diário de uma busca e Cidadão Boilesen expressam o espírito de revolta marcado pela ambiguidade e pela falsa ideia de paz que caracteriza a nossa história até os dias atuais. Em Marighella a ambiguidade está presente no experimentalismo que não se esquiva ao tom dramático da homenagem da sobrinha (diretora do filme) ao tio militante. Dessa forma, a construção da memória sobre o período autoritário brasileiro indica um caminho legitimado por escolhas estéticas atreladas a posições políticas culturalmente determinadas, como em relação a divergência ideológica dos diversos grupos de esquerda e a derrota dos grupos armados. As diferentes maneiras de representação impõem ao espectador uma atividade crítica de desconstrução da história apresentadas, essencialmente, através das dimensões figurativas que possibilitam simbolizar o poder das imagens que gostariam de se passar pelo “real”. |
|
Bibliografia | BADIOU, Alain. Cinéma. Paris: Nova, 2010.
|