ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Considerações sobre o uso do fora-de-quadro na encenação polanskiana |
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Autor | Douglas Deó Ribeiro |
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Resumo Expandido | Apesar de Roman Polanski ter alcançado certo sucesso, principalmente de crítica, com seus primeiro filmes, foi com 'O bebê de Rosemary' que o diretor adquiriu ampla notoriedade internacional. Talvez a principal estratégia adotada por Polanski que fez do filme um sucesso ainda maior que o romance original de Ira Levin (1967) tenha sido a abertura da explicação da trama - enquanto na literatura a protagonista é vítima de uma seita satânica, no cinema é possível pensar que tudo não passa de alucinações de Rosemary (Mia Farrow). Com esse propósito, o realizador fez duas escolhas: vinculou firmemente o ponto de vista do espectador ao da protagonista e ocultou todos as ações e elementos que pudessem endossar a explicação sobrenatural da história no fora-de-quadro.
Em filmes como 'A dança dos vampiros' (1967), 'Quê?' (1972) e 'Busca Frenética' (1988) encontram-se exemplos de uso expressivo (ou atenuante, segundo MET, 2006) do fora-de-quadro, mas neste painel realizo um estudo comparativo entre essa estratégia em 'O bebê de Rosemary' e em 'O escritor fantasma' (2010), a partir da análise de trechos de cada filme. De todos os filmes de Polanski, 'O bebê de Rosemary' é o que melhor serve para tratar do uso do fora-de-quadro. Como ele mesmo relata em entrevista (CRONIN, 2005), este filme se estrutura como uma narrativa semi-subjetiva, em que os pontos de vista do espectador e da protagonista são muito próximos, mas nem sempre coincidentes. Essa estratégia - ponto de vista ambivalente, segundo Bordwell (2006), e câmera ancorada, segundo Caputo (2012) - é importante modo de garantir uma parcialidade visual da audiência e de construir uma atmosfera de suspeita a partir de elementos que se ocultam atrás das paredes do apartamento. Gayraud (2006) destaca a presença de indícios, desde o começo do filme, de uma face oculta do apartamento - as riscas indicando que um pesado móvel foi arrastado, as vozes através das paredes. Todos esses elementos adquirem grande carga de significado para a personagem (e para quem a segue) com o progredir do filme. Ao mesmo tempo, a ambiguidade do filme em relação ao romance cresce justamente porque esses elementos que comprovariam a existência da seita permanecem ocultos no fora-de-quadro - o ápice dessa estratégia sendo a escolha de Polanski de nunca mostrar o bebê, diferentemente do romance, que o descreve. A ausência de materialidade imagética desses eventos fundamenta-se na concepção, derivada da filosofia tomista (CABRERA, 2006), da 'impositividade' da imagem: aquilo que se faz imagem é dotado de inquestionável realidade, portanto tudo o que está oculto, por não ser impositivo, pode ser fantasia da mente de Rosemary. De modo diverso, 'O escritor fantasma' também faz uso do fora-se-quadro. Como ressalta Caputo (2012), neste filme tem-se a manutenção do modus operandi perene de Polanski, de colocar a câmera (espectador) na posição de observador ideal, não interferente na narrativa, e de 'ancorar' essa câmera ao personagem. Mas ele potencializa ainda mais essa presença do observador através da composição do personagem do escritor: ele funciona como esse espectador privilegiado, pouco intervindo na história, mas dando sentido à narrativa que se desenrola. Em vários momentos essa sobreposição dos olhares escritor-público se dá pelo fora-de-quadro: sequencias que começam como pontos de vista neutros da cena se revelam ponto de vista do escritor logo em seguida - indicando retrospectivamente que ele estava ali, na mesma posição que o público, quando este se julgava só. Desta observação de dois filmes quatro décadas distantes entre si resulta, para além da recorrência patente do uso do fora-de-quadro, uma mudança na forma de estruturar a diegese: se em 'O bebê' tudo, inclusive o não visto, converge para a figura de Rosemary (sua imaginação), em 'O escritor', o ocasionalmente oculto identifica o personagem e o público, resultando numa estrutura centrífuga, que aponta para o que está além das bordas do filme. |
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Bibliografia | BORDWELL, David. The Way Hollywood Tells It. Los Angeles: University of California Press, 2006.
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