ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | O presente em perspectiva histórica: urdiduras de drama e documento |
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Autor | Cláudia Cardoso Mesquita |
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Resumo Expandido | Discussões acerca da necessidade de elaboração do passado e das verdades históricas tem se feito mais presentes no Brasil de hoje, tanto na vida política e institucional como na arte, opondo resistência ao “país do esquecimento fácil”, no dizer da psicanalista Maria Rita Kehl. Testemunha por esta necessidade de esclarecimento (e reconhecimento dos efeitos do passado sobre o presente) a criação, em 2012, da Comissão Nacional da Verdade, voltada à investigação e revelação dos crimes silenciados pela recente ditadura militar. Na hipótese de Kehl, elaborar e garantir o direito às informações históricas seria uma forma de trabalhar contra as repetições da violência social, que ressurge na brutalidade policial e nos assassinatos de indígenas, entre outras práticas obscuras, em uma espécie de retorno cíclico do recalcado (KEHL, 2013).
O amadurecimento desse debate nos desafia a pensar como o cinema brasileiro recente tem trabalhado contra o esquecimento e atribuido historicidade ao presente. Kleber Mendonça Filho reinvindica para a dramaturgia de O som ao redor uma “adaptação moderna do patriarcado nacional”: “Na verdade, não mudou muita coisa, se compararmos [o presente] com a Pernambuco de 150 anos atrás” (…). Antes de apresentar as coordenadas dramáticas, com alguns núcleos de personagens que dividem um quarteirão de classe média da Recife atual, O som ao redor abre com uma sequência de antigas fotografias de trabalhadores rurais e casas-grandes. “Base estética do filme”, segundo o diretor, essa posta em perspectiva histórica antecipa as sugestões do enredo, em que o poder de um velho patriarca atualiza, na metrópole urbana, relações seculares de mando, subordinação, classe e ocupação do espaço. Se obras como O som ao redor (e também, a seu modo, A cidade é uma só?) combinam drama e documento de maneira a expor a presença inquietante do passado no presente, outras encontram, na atualidade, formas de narrar a história segundo novos pontos de vista. É o caso, novamente, de A cidade é uma só?, mas também de Serras da Desordem e Pirinop - os dois últimos empenhados em engendrar enunciados nos quais os índigenas tem privilégio na atuação, elaboração, comentário ou difusão de suas versões sobre a história do contato e da colonização, em movimentos que tomam direção contrária àquela como a história foi oficialmente registrada e contada. Se a busca de outros pontos de vista sobre a história e a memória coletiva já se faziam presentes no documentário moderno, interessa pensar as novas formas como esse empenho hoje comparece, em particular nos jogos entre encenação e imagens documentais de arquivo. Como Conterrâneos Velhos de Guerra, épico de Vladimir Carvalho, A cidade é uma só? também lança mão de arquivos (notadamente propagandas oficiais) para distanciar a história oficial de Brasília, empenhado em trazer à tona uma memória não-oficial, da perspectiva dos vencidos (em uma espécie de “contra-discurso”, no dizer de De Decca/1988:72, que assume “a ótica e a dimensão simbólica de uma outra classe social, excluída da memória histórica pelo exercício de dominação”). Mas o filme recente se notabiliza por lançar mão de procedimentos dramáticos, não operando apenas segundo a chave do “distanciamento”. Nele, distanciar a história oficial, as representações idealizantes de Brasília e a perpetuação atual das desigualdades não se opõe ao interesse pela atualidade dramática, pelo presente vivido – sofrido, lúdico, inventivo, contraditório e aberto – de alguns poucos personagens, moradores de Ceilândia (MESQUITA, 2013). Novas formas aparecem ainda nos filmes recentes que retomam a temática da violência civilizatória, buscando narrá-la com os indígenas. O drama aqui é lugar de reinventar o passado, investindo-o da perspectiva atual dos sujeitos engajados em contar sua própria história. Somam-se aos arquivos, em Serras e Pirinop, encenações e jogos dramáticos, valorizando a abertura do presente, que contamina e reinventa as narrativas do passado |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito da História”. In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
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