ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Sobreviver com as imagens: o documentário e a vida em risco |
|
Autor | Amaranta Cesar |
|
Resumo Expandido | “L’image, pas plus que l’histoire, ne ressuscite rien de tout. Mais elle « rédime » : elle sauve un savoir, elle récite malgré tout.” (Georges Didi-Huberman)
Uma das dimensões mais fundamentais da imagem cinematográfica, desde os irmãos Lumière, diz respeito a sua capacidade de registrar o mundo em seu movimento e de salvaguardá-lo, pelo menos, da ação do tempo. É, em boa medida, essa dimensão referencial que está no cerne das ações proliferadas das câmeras nos movimentos do mundo atual - ainda que, hoje, mais do que de registrá-los, as câmeras passaram também a constituí-los. Uma imagem, enquanto ação, parece atuar no mundo contemporâneo não apenas para salvaguardar os seus movimentos, fazendo-os sobreviver ao tempo, mas para garantir-lhes mesmo a existência ou a sobrevivência. O tema proposto pela organização da Socine – a sobrevivência das imagens – e a intenção de, através dele, “enfatizar a necessidade de pensarmos o modo particular em que as imagens cinematográficas e audiovisuais resistem ao e no tempo” me levaram a indagar, em contraponto, a maneira como essas imagens articulam, em si mesmas, resistências e atuam no mundo como um impulso de sobrevivência. A comunicação proposta pretende, pois, refletir sobre o que acontece ao documentário quando ele nasce de um confronto com a vida, ou um modo de vida, em risco. À pergunta formulada por Marie José Mondzain (2002) - “pode a imagem matar”? – sobrepõe-se outra: “o que e em que medida pode a imagem salvar?”. Em um primeiro movimento, trata-se de analisar o confronto do documentário com o sobrevivente, através das figuras de Carapiru, de Serras da desordem (Andrea Tonacci, 2006), e do índio do buraco, de Corumbiara (Vincent Carelli, 2009). Procura-se investigar a maneira como esses filmes problematizam uma trajetória que vai da invisibilidade como gesto de resistência ao desafio da visibilidade como forma de resgate, de salvamento, bem como o percurso de construção de uma forma documental entre a crença na evidência do registro e a atitude reflexiva diante de seu fracasso. Parte-se da suposição de que as figuras desses índios sobreviventes, errantes, cujos corpos foram submetidos à invisibilidade como única forma de resistência ao sumiço definitivo, explicitam a ambivalência fundadora de qualquer imagem, da qual depende o entendimento de sua potência política. Como afirma Georges DIDI-HUBERMAN, “As imagens não oferecem nunca tudo à vista; melhor, elas sabem mostrar a ausência a partir do nem-tudo à vista que elas nos propõem constantemente”(2003, p.156). Num segundo movimento, através da análise de Pi’õnhitsi - mulheres Xavante sem nome (Divino Tserewahú, 2002) e de Hiper mulheres (Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, 2011), dois filmes produzidos pelo Vídeo nas Aldeias, pretende-se investigar a maneira como o documentário, diante da impossibilidade do registro de um patrimônio cultural ameaçado, pode assumir papel ativo, lançando mão de encenações, na retomada de rituais e práticas em vias de apagamento. Não apenas o entendimento do registro audiovisual como instrumento de salvaguarda, contra o tempo, mas a atitude reflexiva diante da cultura, aquilo que Manuela Carneiro da Cunha chama de “cultura com aspas”, motivam os realizadores indígenas a adotarem o vídeo e o cinema como instrumento de afirmação de modos de vida em risco. Os dois filmes são resultados, muito distintos entre si, desta mesma motivação, que está vinculada à maneira como “vários povos estão mais do que nunca celebrando sua “cultura” e utilizando-a com sucesso para obter reparação por danos políticos” (CUNHA, 2009, p. 313), para garantir a sobrevivência. |
|
Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 2a Edição.
|