ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Memória e história em Utopia e Barbárie |
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Autor | Itauana Fonseca Coquet |
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Resumo Expandido | O artigo busca compreender o movimento existente em “Utopia e Barbárie: História de nossas vidas ou ter 18 anos em 68” (Silvio Tendler, 2010) quanto ao uso do material de arquivo que compreende desde imagens “oficiais” de documentação dos acontecimentos históricos até fotografias pessoais do diretor. “Utopia e Barbárie” traça um panorama mundial a partir dos eventos de 1968 e pretende realizar um recorte dos eventos que balizaram a vida do diretor. O filme é constituído por um extenso quadro de elementos fílmicos: uma locução narrada por Letícia Spiller, Amir Haddad e Chico Diaz, utilizada ora em "voice over" ora revelados no estúdio de gravação, e com passagens em primeira pessoa; imagens de registro da história (como pronunciamentos oficiais de presidentes para a televisão), trechos de outros filmes e, ainda, imagens pessoais da vida do diretor; recursos gráficos que ora dialogam com essas imagens, intervindo sobre elas, ora com a função de organizar a narrativa; música; e entrevistas de personalidades, estudiosos, em diversas áreas do saber e da arte. A imagem, o som e o texto em “Utopia” são articulados em uma montagem que procura evocar uma reflexão sobre o que é visto e quebrar discursos da História, enquanto disciplina que narra a história, sempre a partir do recorte explicitamente subjetivo do diretor.
A partir da observação desta estrutura, analisaremos esse material considerando a reflexão sobre documento e monumento elaborada por Michael Foucault, em “Arqueologia do Saber”, publicado em 1969. Jacques Le Goff participou dessa discussão - da crítica ao documento feita em diferentes pesquisas históricas - ao observar a monumentalização do documento por agentes sociais que pretenderiam “enquadrar” o significado, a interpretação dos acontecimentos/fatos, na perspectiva do momento em que é lido e associado a uma série de outros acontecimentos. David Lowenthal apresenta outro conceito importante para pensar a apropriação das imagens de arquivo no filme de Tendler: a “impossibilidade histórica”. Ou seja, os acontecimentos não se dão de forma única e cronológica. Há uma impossibilidade da própria História de dar conta de todos os acontecimentos. Além disso, há a subjetividade implicada na percepção, na leitura e na memória deles. Jean-Louis Commolli transfere essa discussão para o cinema e verifica a importância central do espectador na construção dos sentidos do filme, o modo como o documento é apropriado à luz da memória (do cineasta e do espectador), se aproximando do “receptor histórico” de Lowenthal. Este autor observa, assim como mostra Le Goff, que os acontecimentos passados também são lembrados à luz do presente e, portanto, pensados em associação aos acontecimentos que o sucederam. Os recortes e a montagem de episódios históricos no documentário “Utopia” são entrelaçados a partir desta consciência dos seus desdobramentos, como a associação entre a arma dada por Fidel Castro ao Salvador Allende em sua visita à Santiago e os problemas políticos enfrentados pelo presidente chileno que culminam com o bombardeio do La Moneda. Silvio Tendler armazenou esse material diverso e heterogêneo ao longo de 19 anos, entre viagens, pesquisas e entrevistas. Tal material é certamente útil para uma discussão sobre os modos do cinema documental participar da construção da memória e da História, assim como o foram “Os anos JK” (1980)e “Jang”o (1984), durante a Ditadura Militar no Brasil. É a partir destas considerações que iremos pensar o uso das imagens de arquivo no filme assim como o modo em que aparecem as noções de documento/monumento. |
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Bibliografia | FRANÇA, A., LINS, C. e RESENDE, L. "A noção de documento e a apropriação de imagens de arquivo no documentário ensaístico contemporâneo". In: Galaxia. 21 (2011): pp. 54,67;
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