ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Abbas Kiarostami: um narrador benjaminiano? |
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Autor | Joana Paranhos Negri Ferreira |
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Resumo Expandido | Classificar Kiarostami como um “narrador” pode soar um tanto contraditório, dada a aversão declarada do próprio a “contar histórias" (entenda-se, aqui, a crítica do iraniano ao modelo hollywoodiano). Mas analisado mais de perto, em sua recusa a narrar, Kiarostami acaba por aproximar-se, em muitos aspectos, à figura do narrador que Walter Benjamin enunciava estar em vias de extinção, em seu célebre ensaio.
O primeiro indício da morte da narrativa, para o filósofo, é o surgimento do romance. Fundamentalmente, porque ele nem provém da tradição oral nem a alimenta, estando essencialmente vinculado ao livro. Enquanto o narrador promove uma troca de experiências, o romancista é o indivíduo segregado que não as comunga. É possível encontrarmos no cinema e sua matéria-prima, a imagem (no lugar da palavra oral), uma espécie de perpetuador de histórias. Assistir a um filme, na definição do senso comum, equivale a acompanhar uma história e poder também contá-la para quem não viu. Assumimos, então, o papel de um espectador-narrador e a experiência do cinema se torna transmissível, por ser uma linguagem compartilhada pela sociedade contemporânea. Mas como o cinema tem contado suas histórias, desde a consolidação de seu modelo narrativo? E como nós as temos contado uns aos outros? Através do dispositivo da sala escura, o cinema não confere direito de resposta ao espectador (o que esta cena quis dizer? o que aconteceu?). Sob esta perspectiva, para muitos, um bom filme é aquele que não deixa lacunas e que se presta a uma clareza narrativa e ótica. A ideia de um mundo coeso, o esquema sensório-motor de ação e reação do cinema clássico, a lógica narrativa que tanto conhecemos (dotada de personagens, conflitos demarcados e desfecho definido) ancoram o espectador e prevalecem nos grandes circuitos. O público é entretido em um ritual, de aproximadamente duas horas, em que o écran trata de ordenar e dar sentido às incertezas do mundo em volta. Estas incertezas são nutridas de garantias e sobretudo, de informação. Eis o principal ponto de contato entre a figura do narrador benjaminiano e Kiarostami. Enquanto no cinema de entretenimento o espectador é sobreinformado, o cineasta iraniano, como já observado por Jean-Claude Bernadet, o deixa subinformado através de narrativas ambíguas e parcimoniosas. No primeiro, não há lacunas deixadas, nada de finais abertos. Se por um momento há dúvida, ela existe somente como fator de tensão para uma resolução que não tardará a chegar. Para Benjamin, a informação é algo plausível que ao buscar explicar um acontecimento é incompatível com o espírito da narrativa cuja profusão de significados se abre à experiência do ouvinte. Gagnebin já havia observado que o leitor atento de Benjamin descobriria, em seu texto, uma teoria antecipada da obra aberta de Eco, conceito que podemos facilmente relacionar a obra de Kiarostami, ao convocar constantamente o espectador a coautoria, o que aponta para uma outra postura espectatorial. Assim, nos perguntamos, ao final de Gosto de cereja: o que terá acontecido ao senhor Badii? Terá se suicidado ou cedido ao “gosto da cereja” que o velho senhor lhe relata no carro? E o protagonista de Vida e nada mais? Terá encontrado os meninos que buscava? Mas Kiarostami, tal qual o narrador benjaminiano, não responde a perguntas, apenas “sugere a continuação de uma história". O poder de desdobramento de seus filmes reside na estrutura polissêmica de suas narrativas que permite que cada espectador tenha uma experiência diversa e possa interpretá-los da forma que quiser. É quando a obra se torna vaga e inconclusiva que o espectador estabelece uma relação mais íntima com ela e recorre ao seu repertório de vida e sua imaginação para reduzir seu grau de ambiguidade. Identificamos, deste modo, um ciclo de trocas, um “intercâmbio de experiências” entre o diretor (cujos filmes escolhidos para análise são fruto de suas experiências pessoais), os personagens e o público. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. O Narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In:
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