ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Quando o comentário autoral programa os modos de leitura fílmica |
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Autor | mahomed bamba |
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Resumo Expandido | “Quem fala?” “De onde fala?” “Com quem fala?”. Estas perguntas aparentemente anódinas, antes de servirem de balizas para uma análise fílmica, são as que qualquer espectador se faz a si mesmo diante de um filme em que é interpelado por um comentário extradiegético. Ao mesmo tempo em que um filme se dá a ver, ele se faz ouvir. De todas as figuras que manifestam uma forma de subjetividade na representação cinematográfica, a voz e as falas atribuídas a um locutor situado fora da narrativa são, sem dúvida, aquelas que produzem o maior efeito de interpelação com relação ao espectador. O próprio filme, diz Casetti, força “os olhares e as vozes que o habitam” a irem além da narrativa, isto é, a mirarem o fora do quadro e o espectador, este sujeito cuja presença-ausência se infere do material audiovisual. (CASETTI, 1990, p.24).
Dependendo das opções narrativas e estratégias poéticas, o próprio autor/diretor pode assumir e afirmar, desde o início do filme, a partir de uma posição extradiegética, toda a responsabilidade com o discurso. Porém, não basta que o sujeito autor do filme se dê na figura de uma voz encarnada na imagem de um personagem/persona. Do ponto de vista da recepção fílmica, os comentários em voz over ou restritos ao espaço paratextual podem ser atribuídos a uma instância de enunciação considerada como sendo o autor ou produtor “real” da obra. Neste caso, o trabalho de “atribuir” a autoria ao locutor pressupõe um tipo de competência particular por parte do espectador (os cinéfilos, por exemplo, têm uma maior facilidade para fazer esta correlação em comparação a um espectador ordinário). Ou seja, cabe, em última instância, ao espectador/leitor apreender esta afirmação do “eu” autoral como tal, isto é, atribuindo e reconhecendo-lhe o papel actancial de um enunciador real ou fictício. Às vezes, esta relação verbal do diretor com sua obra toma as formas de uma “prática oral do cinema”: o autor fala como se ele fosse um espectador do seu próprio filme e o tivesse visto antes dos demais espectadores. "Pixote- A lei do mais fraco" (1981), por exemplo, abre-se com um longo prólogo em que um “eu enunciador real” (o próprio diretor Hector Babenco) dá uma série informações contextuais destinadas a preparar a entrada do espectador na ficção. Em seguida, ele desaparece da ordem da representação. Em "2 ou 3 choses que je sais d’elle" (Godard, 1967), ao contrário, assistimos a uma outra estratégia discursiva em que o enunciador sussurra, do início até o fim, seus comentários que concernem à história narrada, aos personagens que habitam o espaço diegético e ao contexto sócio-cultural figurado no filme. Estas informações são dadas pela voz do próprio Godard (dizer “a voz de Godard” já pressupõe que o espectador reconheça o grão de voz de Godard e seu estilo inconfundível de comentar seus filmes). Nesta comunicação, interesso-me pelo modo de funcionamento da modalidade do comentário autoral nos dois filmes de ficção supracitados. Enquanto Pixote põe em cena a figura e as falas do diretor, mas restringindo-o no segmento inaugural e nas bordas do filme (criando assim um paratexto ou peritexto com relação à obra), 2 ou 3 choses que je sais d’elle faz ecoar o comentário do autor de forma intermitente e em sobreposição no texto fílmico. Pretendo descrevo nesses dois filmes o modo de funcionamento enunciativo e os efeitos retóricos e pragmáticos do comentário autoral sobre a atividade espectatorial. Examinando também o tipo de pacto e modo de leitura ficcional (ou não ficcional) que estas relações verbais de Babenco e de Godard com suas respectivas obras pressupõem no espaço da recepção. |
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Bibliografia | BOILAT, Alain. Du bonimenteur à la voix-over: Voix-attraction et voix-narration au cinéma. Lausanne: 2007
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