ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Imersão no intervalo: A construção do devir adolescente em Petit indi |
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Autor | Michael Peixoto |
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Resumo Expandido | No segundo volume de seus escritos sobre cinema, Gilles Deleuze empreende uma investigação sobre um novo modelo de imagem que ganha relevância no período pós-Segunda Guerra Mundial e que corresponde à descrença na figura heroica e a presença evidente de um sentimento de impotência diante não apenas do grandioso, mas principalmente do prosaico. O cotidiano passa a assumir proporções catastróficas e lança os personagens em estados de suspensão, nos quais a reação física para solução do conflito mostra-se ineficaz. Uma vez que a ação motora não dá conta de resolver os conflitos, os personagens passam a olhar e ouvir de modo distinto, alterando a sua percepção do mundo a partir de processos de visão e audição aguçados, tornando-se, como denomina Deleuze, personagens-videntes.
Não é de hoje que personagens solitários e à deriva, sem objetivos claros e/ou consistentes, protagonizam tramas cinematográficas. Se desde o neorrealismo o retrato do homem comum imerso em sua rotina e em busca da compreensão primordial de seu estado prosaico tornou-se recorrente, o que se percebe na contemporaneidade é, mais do que uma banalização do conflito trivial, a atenção voltada para novos agentes reflexivos que até então estavam associados majoritariamente a outros modelos de construção narrativa – dentre os quais destacamos neste estudo os adolescentes. Há de se ressaltar que, nos últimos anos, tornou-se cada vez mais frequente a associação do universo adolescente com a introspecção e o isolamento. “Petit indi”, representante desta tendência, aborda a intimidade do adolescente e sua deambulação no intervalo entre a infância e a maturidade. Longe de apresentar conflitos que concedem ao personagem principal certo caráter heroico em uma luta determinada pela superação dos próprios limites, a produção catalã dialoga com uma série de outros filmes contemporâneos por retratar seu protagonista adolescente em um estado de suspensão no qual imperam as incertezas e o acaso substitui o esquema habitual de ação-reação como fio condutor da narrativa. “Petit indi” acompanha o cotidiano banal de Arnau, um garoto reservado de 16 anos que vive com a irmã nas margens fronteiriças de Barcelona. Com a mãe na prisão e um trabalho ordinário de repositor, suas ocupações são cuidar de um pássaro vencedor de competições de canto e apostar em corridas de cães. Diariamente, Arnau transita errante por vários espaços de sua pequena cidade, sem um objetivo claro ou ponto de chegada determinado. Curiosamente, quando é solicitado a ir a algum lugar, em seguida é mostrado em seu destino final; quando aparece caminhando, não chega a lugar algum – recurso que ressalta a sua errância perambulante e cíclica. Assim, o espaço onde interage não lhe proporciona saídas, quando muito soluções imediatistas de caráter provisório que surgem sem serem, de fato, solicitadas pelo garoto. Desta maneira, como destaca Deleuze, o espaço se esvazia e desconecta, já que perde suas conexões motoras. Em sua perambulação silenciosa, o adolescente corta o enquadramento amplo e vacio e, se a princípio, parece integrado à paisagem, sua aparição solitária e errante resulta por romper com a estabilidade do cenário, insinuando assim uma subversão do quadro. A perambulação de Arnau é silenciosa, porém apenas no que concerne à escassez da palavra pronunciada pelo mesmo. Se o cinema, desde a consagração do sistema sonoro em fins dos anos 1920, tornou-se assumidamente verbocentrista, “Petit indi” se mostra na contracorrente deste esquema ainda hoje hegemônico. O protagonista, que aparece em quadro na maioria das cenas, assume posturas caladas e utiliza a voz de forma pontual, apenas quando necessária e geralmente em resposta aos estímulos externos, retirando dela o seu uso explicativo-argumentativo. No entanto, se a palavra tem importância restrita, todo o entorno sonoro ao personagem ganha maior relevância, expondo-o a situações sonoras organizadas igualmente por suas percepções sensoriais. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O olho interminável: cinema e pintura. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
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