ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | PERCEPÇÃO SOCIOAMBIENTAL E DOCUMENTÁRIO PERFORMÁTICO. |
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Autor | JANAINA WELLE |
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Resumo Expandido | A percepção ambiental se dá a partir de experiências sensoriais, da relação interativa do homem com o meio e sua ligação biológica com as outras formas de vida, assim como através da imaginação, da afetividade e da memória (MARIN, TORRES OLIVEIRA e COMAR, 2003). O cinema é uma maneira de ver, perceber e representar o mundo e, como tal, é uma potencial janela para estimular a percepção socioambiental dos espectadores.
Há muitas maneiras de se representar o mundo a partir de composições audiovisuais. No documentário Aboio, de Marília Rocha, a dimensão afetiva da relação entre a cineasta e o tema é central. A documentarista nos apresenta sua apreciação do aboio, uma visão bastante pessoal. Transforma o filme em uma performance do ato de aboiar. Neste sentido podemos considerá-lo um documentário performático (NICHOLS, 2005) caracterizado por uma abordagem subjetiva ancorada na perspectiva do cineasta. Nesta modalidade documental o próprio documentarista e seus questionamentos constituem parte importante do filme. As escolhas narrativas e estilísticas de Rocha na elaboração do documentário, que o distinguem como performático, estão afinadas com as sensações, percepções e proposições que a diretora quer transmitir. O aboio é um canto, uma espécie de carinho que o vaqueiro dá ao boi para guiá-lo. Une gesto e voz, como se os vaqueiros assimilassem a linguagem dos animais para falar com eles. A cineasta constrói o documentário de maneira similar, fazendo o uso da palavra poética que vira canto, da geografia do sertão transformada em personagem, não atuando apenas como um cenário. Há a presença frequente de naturezas mortas e espaços vazios. Os corpos e vozes no filme são indissociáveis da natureza áspera da caatinga, também encenam e performam. Há uma forte ligação entre o ambiente natural, a experiência e a linguagem. O filme proporciona ao espectador uma aproximação com o mundo dos vaqueiros que se comunicam com o gado cantando palavras. Essa experiência quase sinestésica de ouvir, ver, perceber e sentir a relação homem-boi aproxima o cidadão urbano comum ao universo dos vaqueiros que tangem o gado acariciando os bois com seu canto. Ora de maneira mais onírica, ora de maneira mais contemplativa, ora de maneira mais dialógica nos depoimentos presentes no filme, nos acercamos a uma relação homem-animal onde a poesia é a linguagem da comunicação entre os vaqueiros e o gado, assim como na relação construída entre a cineasta e seu público no exercício da expressão a partir de um filme ensaístico (MACHADO, 2003). Ambas relações são mediadas pela performance e, neste sentido, é clara e justificada a escolha da cineasta pela modalidade documental performática. Os quatro elementos da natureza estão muito presentes no documentário, tanto em imagens quanto em sons. A terra árida da caatinga, o fogo que dança em câmera lenta, o céu que rodopia sobre as cabeças e a água da chuva que cai dadivosa. Esses elementos reafirmam a leitura do filme enquanto performance do aboio, intensificam a ligação do vaqueiro com a natureza, com seu meio. O animalismo é outra característica marcante na construção do filme. Há diversas passagens na montagem onde a cineasta cria um paralelismo com detalhes da anatomia do homem e do animal, planos detalhes dos vaqueiros e dos bois. Os vaqueiros e o gado estão unidos também por sua condição animal. O uso das onomatopeias, intrínseco ao aboio, tem grande amplitude no interior do documentário. O aboio vem dos sons e pelos sons nos leva às imagens, à narrativa, e assim Marília Rocha compõe seu filme, desde o sonoro, e a partir dele, numa sinestesia poética nos apresenta, desde o sensorial, sua leitura singular do aboio. |
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Bibliografia | BRASIL, André. Quando as palavras cantam, as imagens deliram. In: Revista Cinética (www.revistacinetica.com.br/aboioandarilho.htm).
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