ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | Archives de la Planète: a cartografia cinemática de Albert Kahn |
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Autor | Aline Couri Fabião |
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Resumo Expandido | Albert Kahn quis preservar o mundo em imagens. Concebeu e financiou os Archives de la Planète (1908-1931) com o objetivo de “fixar de uma vez por todas os aspectos, práticas e modos de atividade humana cujo desaparecimento inevitável é apenas uma questão de tempo”. De origem judia, mudou-se para Paris após a anexação da Alsácia pelo Império Alemão (1871). Aos 30 anos tinha se tornado um banqueiro milionário. Estudou sob orientação do jovem Henri Bergson, que se tornou um grande amigo.
O arquivo – que pode ser entendido como uma “cartografia cinemática” – é constituído por autocromos e filmes produzidos por bolsistas selecionados. Kahn promoveu as viagens desses operadores por cerca de 49 países em diversos continentes. Acreditava contribuir, através do contato desses jovens com diferentes culturas, para um mundo mais pacífico e unido. Os bolsistas produziram um inventário étnico-geográfico visual do planeta, com cerca de 72.000 fotografias coloridas (autocromos), 4.000 imagens estereoscópicas e aproximadamente 183.000 metros (cerca de 100 horas) de filmes em 35mm mudos (a maioria em preto e branco, uma pequena parte em cores). Os filmes raramente foram exibidos (em seções restritas aos membros da Société Autour du Monde). Ao contrário dos travelogues (documentários de viagens que em fins do século XIX apresentavam diferentes países e culturas), os filmes do arquivo não são editados. Possuem um caráter fragmentário, sendo inevitavelmente parte de um todo que não pode ser visualizado em sua totalidade. Identificam-se com a lógica não-narrativa do “cinema das atrações” (conceito de Gunning que trata a produção inicial do cinema, anterior à consolidação narrativa e dispositiva) e sua “estética da visão” (que mimetiza o olhar: câmera como turista, espectador ou investigador). Essas imagens são produtos de imbricações entre a ideia do cinema como registro de uma realidade objetiva através de um aparato maquínico e, por outro lado, construção subjetiva. Os operadores eram orientados à filmar o que considerassem importante. O diretor dos arquivos, Jean Brunhes (um dos percussores da geografia humana) encorajava a participação de cada bolsista na conformação do material a ser arquivado. Antes de saírem em suas missões, os operadores recebiam instruções sobre modos de olhar, selecionar, gravar, mapear e classificar visualmente o mundo. Havia temas específicos para fotografias e para filmes (“tipos humanos” era um tema em comum). Os filmes focavam cerimônias religiosas, enterros, casamentos, danças, construções, preparação de alimentos. Ao descrever o tema nas fichas de indexação, os operadores deveriam discorrer sobre a relevância da cena filmada. A presença do operador não é ocultada: crianças encaram as câmeras, mulheres tentam se esconder delas, homens saúdam as câmeras levantando seus chapéus... Tais filmes são produtos de uma abordagem antissistemática da metodologia científica, mesclando iniciativas objetivas e subjetivas. Nos Archives toda contribuição deveria ser entendida a partir da percepção de cada indivíduo. As imagens surgem da relação entre subjetividades e exterioridade (o Sujeito, o Real, o Outro). Brunhes construiu uma metodologia descritiva, não narrativa, cuja ênfase estava em exibir e descrever, e não na argumentação. Cabe lembrar que há indícios de início de uma narrativa documental em filmes mais tardios, após 1918, de Lucien Le Saint e Camille Sauvageot. Le Saint chegou a fazer anotações, nas fichas catalográficas, que reorganizavam as ordens dos planos numa espécie de montagem. Em certos registros, pode-se notar uma tentativa de criação de sensação tridimensional do espaço: o tipo de enquadramento, tomadas em múltiplas perspectivas, sequências, paradas e retomadas das filmagens. Trata-se de pensar o arquivo de Kahn como uma “cartografia cinemática”, relacionando-o à autores como Gunning (“estética da visão”, “cinema das atrações”), Certeau (“espaço é lugar praticado”) e Vigo (“ponto de vista documentado”). |
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Bibliografia | AMAD, Paula. Counter-Archive. Film, the everyday, and Albert Kahn’s Archives de la Planète. Nova York: Columbia University Press, 2010
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