ISBN: 978-85-63552-14-3
Título | O documentário e sua “intencionalidade histórica” |
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Autor | Cássio dos Santos Tomaim |
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Resumo Expandido | A fronteira entre documentário e ficção tem se mostrado cada vez mais tênue, o que leva a afirmações totalizantes por parte de autores de que ora “Tudo é ficção”, ora “Tudo é documentário”. Sem propor a retomada deste debate que atravessa décadas da teoria do cinema, reconheço a necessidade de pensarmos uma singularidade para o documentário, diferenciando-o da ficção, mas ao mesmo tempo assumindo, por mais dúbio que possa aparentar, que o documentário enquanto narrativa faz uso de recursos de ficcionalização. Em busca de compreender uma singularidade para a narrativa documentária, nos interessa neste estudo questionar em que medida é possível empregar o conceito de “intencionalidade histórica”, de Paul Ricoeur, para pensarmos o processo como o documentário se encarrega de reconfigurar o tempo passado. É preciso investigar o como o documentário, em sua prerrogativa de um “fazer narrativo”, encarrega-se de re-significar o mundo em sua dimensão temporal, tendo em vista que todo ato de narrar “[...] é refazer a ação conforme a instigação do poema”, nas palavras de Paul Ricoeur. Então, o que instiga o documentário ou o documentarista? Segundo Ricoeur, o ato de narrar apreende o mundo a partir das experiências humanas, experiências ou ações que se traz para o universo da linguagem, mas que, por sua vez, já se encontram pré-significadas no mundo vivido. O autor compreende que uma ação só pode ser narrada porque ela já está articulada em signos, regras e normas, na sua origem ela já está “simbolicamente mediatizada” pelas convenções sociais e culturais. Ao contrário de Aristóteles, que ignorou os aspectos temporais da composição da intriga, em sua tese da tripla mímesis Paul Ricoeur trabalha com a ideia de transição entre um tempo prefigurado (mímesis I) e um tempo refigurado (mímesis III) pela mediação de um tempo configurado (mímesis II). Nestes termos, contrariando algumas correntes da semiótica, o autor instaura para a narrativa a problemática da referência. O leitor ou o espectador recebe algo para além do sentido da obra, ou seja, “o mundo que ela projeta e que constitui seu horizonte”; mundo vivido que, por sua vez, já é pré-significado. Ao tratar do entrecruzamento entre a narrativa histórica e a narrativa ficcional, Ricoeur reconhece que “[...]. Somente a historiografia pode reivindicar uma referência que se inscreve na empeiría, na medida em que a intencionalidade histórica visa a acontecimentos que efetivamente ocorreram”. Para o autor, por mais distantes ou ausentes que os acontecimentos do passado estejam de uma percepção do historiador no presente, são estes acontecimentos passados que revestem a intencionalidade histórica de um tom realista que “nenhuma literatura jamais igualará, ainda que tenha a pretensão de ser ‘realista’”. Ele se autoriza a fazer esta afirmação diante da noção de que “[...] a referência por vestígios ao real passado pede uma análise específica”. O que acredito também ser válido para o documentário, já que é uma narrativa que estabelece asserções sobre o mundo e que, na ordem do discurso, seleciona e organiza os vestígios e testemunhos do mundo vivido em função de um enunciado comprobatório. Se por um lado a narrativa histórica, na sua capacidade de reconfigurar o tempo, põe em jogo a questão da verdade para a história, acredito que o mesmo ocorra com o documentário. Segundo Gauthier, para que o documentário possa nos proporcionar o acesso a uma experiência humana mais extensa, como faz a narrativa histórica (como entende Ricoeur), ele depende de sua capacidade de suscitar a nossa curiosidade de espectador, portanto de nos comover e convencer de seus argumentos pressupostos para o mundo. Mais do que aproximar ou igualar a narrativa documentária à narrativa histórica, este trabalho tem como proposta trazer elementos que nos ajudem a pensar o tempo narrado no documentário, não perdendo de vista que o documentarista sempre fala do presente e se autoriza a fazer um julgamento do e sobre o passado. |
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Bibliografia | GAUTHIER, Guy. O documentário: um outro cinema. Campinas, SP: Papirus, 2011.
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